Há cinqüenta anos o país foi tomado por uma
tenebrosa onda reacionária que instaurou duas décadas de atraso, corrupção,
violência e injustiça. A ditadura assassinaria centenas de cidadãos, torturaria
milhares e deixaria um legado ainda maior de traumas pessoais. Suas
conseqüências trágicas sobrevivem ao esquecimento e à impunidade.
A historiografia fornece muitas versões acerca das
origens sociopolíticas do fenômeno. Podemos recuar até aos tempos de Getúlio
Vargas, talvez mesmo antes, seguindo a linha genealógica do ressentimento das
Forças Armadas e das facções partidárias que as apoiariam em 1964. Mas existem
falácias inaceitáveis, que não dependem de interpretações e metodologias.
A maior delas se refere às boas intenções contrarrevolucionárias
dos golpistas. É a tal “culpa do Jango”. O temor infundado de uma insurreição
comunista sempre serviu para amenizar a culpa dos setores antidemocráticos,
particularmente na imprensa. Essa mentira continua sendo utilizada, sugerindo
que em algumas situações a inconstitucionalidade e o cinismo são “aceitáveis”.
O segundo mito é o do protagonismo militar na
efeméride. O golpe foi um ato civil, articulado por empresas, partidos e
lideranças políticas, inclusive governadores, deputados e senadores. Recebeu
apoio veemente e mesmo institucional da igreja católica, dos veículos de
comunicação, de amplos setores das classes médias urbanas e de certas personalidades
que depois abraçariam a causa democrática e hoje posam de heróis. A famigerada
Marcha da Família serve como símbolo dessa união.
A terceira inverdade refere-se às supostas
“conquistas” do regime. Os anos militares foram marcados pelo endividamento
financeiro, pela decadência do serviço público brasileiro, principalmente na
educação, e pelo comprometimento do país com opções equivocadas nas mais
diversas áreas estratégicas. Não houve herança positiva daquela infeliz
aventura da direita local.
Há outros delírios interpretativos sobre o
período: a pretensa “brandura” da violência militar brasileira, a natureza
autoritária da resistência armada, o papel saneador e reativo do endurecimento
do regime, a participação do governo dos EUA (J. F. Kennedy) na preparação do
golpe, etc. São temas para muitas relativizações pontuais, que os debates
midiáticos se incumbem de provocar.
O importante, agora, é reconhecer nesses discursos
as marcas de um espírito antidemocrático que jamais arrefeceu. Pois o golpismo
também se manifesta na manipulação e no logro.
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