segunda-feira, 14 de abril de 2014

O papel das polícias

















Publicado no Amálgama

A imprensa mitifica os grupos black bloc, endossando a sua ilusão tática, reverberando o espetáculo do vandalismo como atitude política e dando-lhe um tratamento ambíguo que visa instigar o recrudescimento das manifestações. Mas as polícias também desempenham curioso papel nesse processo.

O que salta aos olhos nas suas intervenções é que seguem um padrão equivocado, ora pelo ataque desnecessário e provocativo, ora pela tática infeliz, que permite a disseminação do vandalismo e o agravamento das lesões físicas de ambos os lados. O planejamento, a inteligência e as abordagens são tão ruins e previsíveis que chegam a parecer propositais.

Não se trata de apoiar, desejar ou propagandear a ação repressiva dos cossacos. Menos ainda de subestimar os efeitos nefastos que ela costuma produzir. Questiono justamente o contrário, isto é, a real incapacidade dos comandos policiais para coibir a violência e a destruição sem causar ainda mais violência e destruição.

Aplicar nos protestos os meios tradicionais de combate à criminalidade soa triplamente equivocado: é medida flagrantemente abusiva, que atinge resultados pífios nos supostos objetivos da ação policial e que, por isso, desgasta a imagem das corporações, que deviam estar ansiosas para amenizar o descontentamento geral com o notório colapso da segurança pública. Mas a opção fica inaceitável, principalmente, porque sabemos que as autoridades conhecem métodos para minimizar os danos de atos organizados abertamente nas redes sociais, ou para isolar e conter uma pequena multidão nas ruas de qualquer cidade.

Um paralelo razoável, embora indigesto para os manifestantes, aproxima-os das torcidas nos jogos de futebol. O fato das polícias eventualmente aplicarem sistemas eficazes e pacíficos na organização de certas partidas de risco prova que os inúmeros episódios negativos originam-se da inépcia das corporações. Ora, se os comandos aplicam as medidas preventivas necessárias quando há vontade política para tanto, são responsáveis pelas conseqüências de ignorá-las depois.

Insisto que a intenção aqui não é fazer a apologia da opressão fardada, nem insinuar que os black blocs a merecem. Podemos discutir longamente a necessidade, a viabilidade e mesmo a legitimidade da contenção física dos mascarados. Mas esse debate não impede a suspeita de que inexiste um verdadeiro esforço das autoridades para minimizar os efeitos negativos do confronto com as facções mais radicalizadas dos protestos.

Não basta apenas condenar o bombardeio aleatório, a pancadaria desenfreada e as prisões arbitrárias, ou suas versões “inovadoras” recentes. É preciso questionar se os responsáveis civis e militares pelas corporações acreditam mesmo nos benefícios das estratégias que adotam. Por que continuam tratando os manifestantes da única maneira que os fortalece e estimula? Como esperam manter a ordem e a legalidade violando direitos constitucionais, atacando jornalistas, alimentando a histeria geral?

Até uma hipotética ausência de policiais nos protestos talvez levasse a resultados mais promissores. O ânimo depredador tenderia a arrefecer diante da sua própria vaziez objetiva. Sem o antagonista simbólico a nutrir as fantasias heroicas da juventude, o ímpeto revolucionário dos mascarados definharia cedo ou tarde. Eis o oposto exato daquilo que a PM vem conseguindo.

Não há qualquer coincidência no agravamento das tensões ideológicas, em contexto pré-eleitoral, com participação ativa de governantes-candidatos. O próprio silêncio da grande mídia diante do fenômeno é bastante sintomático do uso conveniente das atribulações. Pior para o contribuinte, usuário dos serviços públicos, que serve de pretexto para esse infame círculo vicioso.

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