Publicado no Amálgama
A imprensa mitifica os grupos black bloc, endossando
a sua ilusão tática, reverberando o espetáculo do vandalismo como
atitude política e dando-lhe um tratamento ambíguo que visa instigar o
recrudescimento das manifestações. Mas as polícias também desempenham curioso papel
nesse processo.
O que salta aos olhos nas suas intervenções é que
seguem um padrão equivocado, ora pelo ataque desnecessário e provocativo, ora
pela tática infeliz, que permite a disseminação do vandalismo e o agravamento
das lesões físicas de ambos os lados. O planejamento, a inteligência e as
abordagens são tão ruins e previsíveis que chegam a parecer propositais.
Não se trata de apoiar, desejar ou propagandear a
ação repressiva dos cossacos. Menos ainda de subestimar os efeitos nefastos que ela costuma produzir. Questiono justamente o contrário, isto é, a real
incapacidade dos comandos policiais para coibir a violência e a destruição sem
causar ainda mais violência e destruição.
Aplicar nos protestos os meios tradicionais de
combate à criminalidade soa triplamente equivocado: é medida flagrantemente
abusiva, que atinge resultados pífios nos supostos objetivos da ação policial e
que, por isso, desgasta a imagem das corporações, que deviam estar ansiosas
para amenizar o descontentamento geral com o notório colapso da
segurança pública. Mas a opção fica inaceitável, principalmente, porque sabemos
que as autoridades conhecem métodos para minimizar os danos de atos organizados
abertamente nas redes sociais, ou para isolar e conter uma pequena multidão nas
ruas de qualquer cidade.
Um paralelo razoável, embora indigesto para os
manifestantes, aproxima-os das torcidas nos jogos de futebol. O fato das
polícias eventualmente aplicarem sistemas eficazes e pacíficos na organização de
certas partidas de risco prova que os inúmeros episódios negativos originam-se da
inépcia das corporações. Ora, se os comandos aplicam as medidas
preventivas necessárias quando há vontade política para tanto, são responsáveis
pelas conseqüências de ignorá-las depois.
Insisto que a intenção aqui não é fazer a apologia
da opressão fardada, nem insinuar que os black blocs a merecem. Podemos discutir
longamente a necessidade, a viabilidade e mesmo a legitimidade da contenção física
dos mascarados. Mas esse debate não impede a suspeita de que inexiste um
verdadeiro esforço das autoridades para minimizar os efeitos negativos do
confronto com as facções mais radicalizadas dos protestos.
Não basta apenas condenar o bombardeio aleatório,
a pancadaria desenfreada e as prisões arbitrárias, ou suas versões “inovadoras”
recentes. É preciso questionar se os responsáveis civis e militares pelas
corporações acreditam mesmo nos benefícios das estratégias que adotam. Por que continuam
tratando os manifestantes da única maneira que os fortalece e estimula? Como
esperam manter a ordem e a legalidade violando direitos constitucionais, atacando jornalistas, alimentando a histeria geral?
Até uma hipotética ausência de policiais nos protestos
talvez levasse a resultados mais promissores. O ânimo depredador tenderia a
arrefecer diante da sua própria vaziez objetiva. Sem o antagonista simbólico a nutrir
as fantasias heroicas da juventude, o ímpeto revolucionário dos mascarados
definharia cedo ou tarde. Eis o oposto exato daquilo que a PM vem conseguindo.
Não há qualquer coincidência no agravamento das
tensões ideológicas, em contexto pré-eleitoral, com participação ativa de governantes-candidatos.
O próprio silêncio da grande mídia diante do fenômeno é bastante sintomático do
uso conveniente das atribulações. Pior para o contribuinte, usuário dos
serviços públicos, que serve de pretexto para esse infame círculo vicioso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário