Publicado no Observatório da Imprensa
Dois grupos humanos predominam entre os inimigos
da Copa do Mundo: os incautos e os maliciosos.
Os primeiros compartilham uma singela ignorância
acerca das bases econômicas, administrativas e legais de eventos desse porte. Pouco
importa se são desinformados, crédulos ou preguiçosos, pois a sinceridade os redime.
Eles acreditam mesmo que o governo federal construiu estádios a fundo perdido,
que haveria mais escolas, hospitais e linhas de metrô sem a competição, que
superfaturamentos, atrasos e politicagens não ocorrem no resto do planeta.
A Copa só lhes fornece o bode expiatório mais oportuno para as mazelas
cotidianas que os afligem.
A outra categoria agrega uma elite intelectualizada,
com experiência, capacitação profissional e às vezes bagagem acadêmica para
discernir as tolices do imaginário anti-Copa. Esses formadores de opinião sabem
como funcionam as parcerias público-privadas, os contratos estaduais e
municipais, as desapropriações, os muitos interesses conflitantes em jogo. Apesar
de tudo, porém, manipulam estatísticas, falseiam comparações e espalham
mentiras para legitimar os equívocos da maioria ingênua.
A intransigência dos maliciosos é proporcional à
simplicidade do repertório indignado que eles adotam. Quando refutamos certas
ponderações honestas, mas conceitualmente equivocadas (chamar os empréstimos
tomados junto ao BNDES de “gasto público”, por exemplo), recebemos floreios
argumentativos que se empobrecem até culminar na tese de que o país simplesmente
“não está preparado” para sediar eventos internacionais. A menor discordância
diante desse delírio provinciano liberta uma avalanche de jargões
rasteiros e ofensivos que inviabilizam qualquer debate.
Grande referência dos diletantes sabujos, o
comentarismo dito “especializado” viola sistematicamente sua obrigação ética de
manter fidelidade aos fatos. Culpa o governo federal por atrasos em obras a
cargo de administrações regionais e companhias privadas. Lamenta a
falta de sinal para internet e outros serviços capengas sem citar um único nome
de empresa. Festeja a seleção da CBF como se ambas não tivessem nada
a ver com as arbitrariedades da FIFA. Cobra investimentos estatais quando
faltam e os demonizam quando existem.
A recente adesão do jornalismo cínico à causa
rentável da Copa busca sacramentar as deturpações enquanto fatos consumados,
livrando-as de análises críticas. As tentativas tardias de forjar uma
racionalidade imparcial em torno de certos mitos sobre o torneio soam ridículas.
Provam apenas que os veículos agiram conscientemente desde o início, desqualificando
o torneio e incentivando seus sabotadores antes que a repercussão
positiva fornecesse dividendos políticos para a gestão Dilma Rousseff.
Garantido o estrago, agora temem que as turbas manipuladas constranjam os
anunciantes.
Incautos e maliciosos são responsáveis pela
bizarria que domina os questionamentos sobre a Copa do Mundo. Em vez de
discutir as raízes corporativas e institucionais do desperdício de recursos, da
falta de planejamento e dos improvisos, o público reproduz baboseiras ideológicas de mal disfarçado pendor eleitoral. Nunca houve tanta gente se dizendo preocupada
com a imagem do país, que, no entanto, jamais sofreu tamanha desmoralização. A
solidariedade com as populações carentes atinge níveis inéditos, mas não tolera os benefícios que elas podem receber do torneio malévolo.
Os maiores legados da Copa serão a hipocrisia, o
oportunismo e a manipulação. Nada mais próximo do tal padrão FIFA, tão
reivindicado pelos baluartes republicanos.
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