terça-feira, 23 de janeiro de 2018

A fraude



O antipetismo foi o motor central da Lava Jato, das mobilizações pelo impeachment, da omissão do STF no golpe parlamentar e do apoio da mídia à Cruzada Anticorrupção. As bandeiras e justificativas pontuais serviram para conferir verniz apolítico a posturas que não tinham outro estímulo senão o mais singelo partidarismo.

As narrativas definidoras desses episódios espelham posições similares. Os elogios a Sérgio Moro, a negação do golpe e o aval à condenação de Lula seguem viés ideológico muito claro e reiterado. O apoio e a rejeição ao ex-presidente ocupam o cerne oculto das polêmicas, quaisquer sejam os seus temas e abordagens.

O julgamento de Lula que chega ao TRF-4 não foge a essa regra. A fragilidade técnica da sentença de Moro se tornou tão evidente que até os seus adeptos parecem ter desistido da polêmica. Pouco lhes importa se não há crime, prova, contrapartida, lógica. Resta apenas um emaranhado de ilações baseadas na aversão a Lula e ao PT. Eles merecem e acabou.

No final das contas, o antipetismo (e mais especificamente o antilulismo) serve como recalque social para o tabu inconfessável da injustiça que o país e o mundo estão prestes a testemunhar. A paixão redime a falta de ética. O fator humano esconde a falência das instituições e do estado de Direito. A loucura sectária ameniza a fraude que a torna possível. Fecha-se o círculo do arbítrio.

Foi triste, mas elucidativo, acompanhar os esforços da defesa de Lula para transpor essas dificuldades. Mesmo conseguindo refutar as alegações que exigiam certa base material, os advogados esbarraram nas convicções dos acusadores, Moro incluso, porque, afinal, a crença é irrefutável por natureza. Estranhas ao regime da constatação, da prova, as preferências políticas admitem qualquer parâmetro de verdade.

Não há argumentação possível em tais circunstâncias, especialmente se elas são admitidas pelos próprios julgadores. Quando o presidente do TRF-4 elogia uma sentença que ele não leu, escrita por juiz de notório viés tendencioso, a mensagem clara é de uma adesão subjetiva que suplanta a racionalidade jurídica.

Nunca é demais insistir nesse aspecto. Dos analistas midiáticos aos ministros do STF, passando por militantes à direita e à esquerda, todos os defensores da condenação de Lula sabem perfeitamente que ela é política. Debaixo da tardia e oportunista ladainha sobre derrotá-lo nas urnas, adoram a ideia de ver o favorito nas pesquisas fora da disputa.

Mais do que um laboratório de arbítrio jurídico, portanto, vejo no julgamento do TRF-4 uma cena entre muitas desse espetáculo nacional de cinismo em que se transformou a caça a Lula. De resto, não acredito em resistências heroicas e suspeito que a tentativa de adotá-las é a senha que o Judiciário aguarda para interferir de vez no processo eleitoral.

E talvez fosse melhor assim, escancarar de vez o inominável. Por enquanto, sei apenas que o suspense matuto da imprensa é uma artimanha para ocultar a previsibilidade do veredito e para transformá-lo num marco de campanha favorável à direita. O tempo dirá se as coisas serão tão fáceis.

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