quarta-feira, 21 de março de 2018

A mensagem da tragédia



Há algo incômodo na linha comumente adotada para explicar os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes. Podemos resumir essa versão hegemônica na ideia de que tudo se restringiu a interromper a combativa militância da vereadora.

O ponto fraco da hipótese é a incapacidade de conciliar dois fatos inegáveis. Por um lado, o profissionalismo da execução, típico de quem não comete arroubos impensados. Por outro, o péssimo oportunismo do ataque, realizado em plena intervenção militar, de uma forma ostentatória e francamente provocativa.

Quisesse “apenas” eliminar uma inimiga política, a estratégia usada soaria temerária. As ligações com os possíveis mandantes são óbvias demais. E o fortalecimento das causas defendidas pela vítima trará visibilidade indesejável para os negócios que ela denunciava.

Seria possível forjar um latrocínio, um tiroteio fortuito ou até um acidente, para atingir a mesma finalidade. O disfarce, ainda que inverossímil, suscitaria uma ponta de dúvida que as autoridades, sob pressão, não hesitariam em aproveitar.

Transparente na sua veemência ignóbil, o crime não permite devaneios narrativos nem teatros da polícia com os suspeitos de praxe. E a própria eficácia do ataque esvazia os elos causais que as investigações poderiam fornecer.

O viés performático da ação deve ser tratado como um objetivo em si. Esse “recado” admite muitas interpretações, mas de modo algum possui natureza colateral, tampouco de publicidade involuntária de alguém que se prefere anônimo.

Em outras palavras, o assassinato foi cometido visando abalar a sociedade. Chamando as atenções para seu significado, os autores miraram alvos amplos e difusos, que extrapolam não apenas o domínio pragmático de preservar atividades ilícitas, mas também o exemplo pedagógico voltado a eventuais adversários.

A compreensão da tragédia precisa começar nos interesses favorecidos pelos efeitos que ela conscientemente produziu: a dúvida, o medo, o sensacionalismo emotivo da cobertura midiática. Mas também a radicalização do espírito punitivista e o fortalecimento dos discursos de ódio que o legitimam.

Não esqueçamos que se trata do fuzilamento de uma liderança que criticava a intervenção militar imposta por um governo golpista desmoralizado. Às vésperas da campanha presidencial, quando a plataforma policialesca da direita se encaminha para o fracasso vexatório. Com a candidatura mais popular impedida por arbítrios judiciais.

Nenhuma explicação simplista resolve todas essas coincidências.

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