sexta-feira, 28 de maio de 2021

O fator Lula

















O campo progressista continua discutindo como derrotar o bolsonarismo em 2022. Supondo tratar-se realmente de questão pragmática simples, a saída pragmática simples é Lula. Ninguém possui maiores chances de vitória, nem o próprio Jair Bolsonaro.

Esse diagnóstico ignora partidos, hegemonias, arrependimentos. Não envolve juízos a respeito das supostas prioridades nacionais, dos governos petistas, da inocência de Lula, do neoliberalismo. Parte de raciocínio probabilístico, baseado nas pesquisas disponíveis.

Os profetas da obsolescência lulista adotam plataformas que confirmem seus vaticínios desejosos. Contrariados pelos números, inventam outros problemas que justifiquem o abandono da solução inicial. Mudam a pergunta para chegarem à resposta que desejam.

A aparência estratégica desse debate esconde uma bagunça de metas secundárias. Ou a prioridade imediata é vencer a eleição ou é conciliar o país, inaugurar a terceira via, neutralizar o lulismo. Estratégias servem para facilitar projetos, não para complicá-los.

Antipetismo é desculpa de antipetista. Lula tem uma das menores rejeições entre os possíveis candidatos. O fracasso humanitário, econômico e social do governo Bolsonaro suplantará de longe o ódio ao PT como estímulo negativo dos indecisos.

Não havendo outro golpe, o simples envolvimento de Lula na campanha impedirá a repetição de 2018. Bolsonaro jamais o confrontou, no voto ou no palanque. Ganhou se escondendo, protegido por milícias digitais, montado na conspiração Lava Jato.

O sonho com a vinda do Godot alternativo ignora não apenas os dados numéricos das pesquisas, mas também as conjunturas históricas do país. Ignora, em suma, o “fator Lula”: a união do respaldo popular com a importância simbólica do ex-presidente.

Principal força organizadora do jogo sucessório, o fator Lula determina o eixo em torno do qual transcorrerá a polarização que vem mobilizando a sociedade brasileira. Garante protagonismo na aliança democrática e dá coesão à sua plataforma eleitoral.

Por um lado, é estatisticamente incontroverso que o lulismo chegará ao segundo turno em qualquer cenário de relativa normalidade. Isso ocorreu até com Lula preso, impedido de participar de uma campanha cujas intenções de voto eram menores que as atuais.

Ao mesmo tempo, quem quer que enfrente a coligação petista na última etapa atrairá o bolsonarismo e o lavajatismo. O beneficiado não conseguiria evitá-los nem se quisesse, mas as projeções sugerem que ele de fato buscará esse apoio para sonhar com a vitória.

Assim, por afinidades ou inimigos comuns, o lulismo e a causa antifascista possuem objetivos indissociáveis. E identificam-se mais a cada esforço narrativo para normalizar as origens, os discursos e os métodos do governo federal.

Embora legítima, a proposta de superar Bolsonaro e Lula juntos é inviável na prática e fantasiosa como leitura das circunstâncias. Democratas que se agarram a essa ideia não priorizam a derrota do fascismo. Vivem a utopia de seus manifestos ambíguos.

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