segunda-feira, 31 de março de 2008

Sutilezas do Datafolha

As eventuais candidaturas de Gilberto Kassab e Geraldo Alckmin tiveram origens comuns. Ambos chegaram a cargos executivos graças a políticos do PSDB (Kassab foi inventado por José Serra e Alckmin por Mário Covas) e beneficiaram-se da coligação PFL/Dem/PSDB que governa o Estado há uma vida e a capital há oito anos. Possuem praticamente o mesmo apelo ideológico, os mesmos redutos, a mesma militância e provavelmente os mesmos financiadores.
Até os urubus do Tietê sabem que os dois pretendentes à Prefeitura disputariam o mesmo espaço político-eleitoral, numa luta fratricida que favoreceria outros candidatos, particularmente Marta Suplicy. Seria tamanha inabilidade que os observadores mais prudentes desconfiam que a atual encenação de independência esconde um jogo-do-pisca para decidir quem consegue levar seu blefe por mais tempo.
E agora pergunta-se: por que, no Datafolha divulgado ontem, não havia um cenário no qual Alckmin ou Kassab disputariam sozinhos o primeiro turno? A possibilidade mais plausível (ainda) simplesmente foi ignorada pelos planejadores da enquete. Arrisco um motivo singelo: há um aspecto muito negativo desse embate Alckmin/Kassab, e já diagnosticado por levantamentos não divulgados. Talvez a transferência de votos, na ausência de um deles, favoreça Marta numa proporção maior do que gostaria a direção do Datafolha.
O famoso instituto sempre dá suas cabeçadas. Na eleição presidencial de 2002, quando pairava a dúvida sobre a possibilidade de Lula ser eleito já no primeiro turno, o Datafolha simplesmente não divulgou pesquisa de boca-de-urna, caso inédito na sua trajetória. Hoje ela consta de seu sítio na internet, mas a Folha do dia da eleição não a publicou. A decisão permaneceu ainda mais incompreensível depois que as bocas-de-urna voltaram a ser divulgadas, nos pleitos seguintes - inclusive aquela, já famosa, dos 50% redondos tanto para Lula quanto para os outros candidatos somados (um empate estatisticamente improvável), no primeiro turno de 2006.
Hoje sai um levantamento sobre a eleição de 2010. Não me lembro do instituto ter realizado pesquisas com tal antecedência (no seu sítio da internet não existem referências a elas), mas a manchete “Serra mantém favoritismo para 2010” dispensa maiores especulações. Esse tipo de já-ganhou eleitoral, com dois anos de antecedência, em plena fritura pública de Dilma Roussef, é manobra evidente para induzir o eleitorado à presunção da vitória tucana inevitável. É a chamada “expectativa de vitória”, que os institutos e as agências de publicidade valorizam muito: a tendência da maioria do eleitorado é de votar em candidatos presumivelmente vitoriosos, independente de inclinações partidárias. O povo quer se associar a vencedores.
O problema com institutos de pesquisa é que não são obrigados a divulgar todos os dados aferidos por seus funcionários. Eles possuem informações prévias importantíssimas para a preparação de pesquisas mais abrangentes, cujo teor virá a público. As pesquisas “para consumo interno” influenciam as outras. Portanto, só sabemos o que alguém julgou conveniente que soubéssemos.

Um comentário:

Anônimo disse...

!! Muito Bom !!