A 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (segunda instância do Judiciário) publicou um Acórdão no dia 31 de março inocentando um acusado de tráfico. O caso específico tem pouca importância, mas a argumentação do julgamento, relatado pelo juiz José Henrique Rodrigues Torres, é revolucionária.
Segundo ele, a legislação que criminaliza o porte e o uso de substâncias entorpecentes é inconstitucional, porque: a) viola prerrogativas individuais garantidas pela Constituição, b) a prática não causa danos inequívocos a terceiros ou à coletividade e c) drogas comprovadamente nocivas, como tabaco e álcool, não poderiam receber tratamento legal privilegiado.
As teses do juiz Torres não trazem novidade aos antigos debates internacionais sobre o tema. Entretanto, quando tais idéias florescem no seio do próprio Judiciário, a discussão recebe um peso diferente. O documento, que pode ser lido aqui, representa (a partir da página 9) um marco na discussão jurídica envolvendo o assunto. E não apenas pela polêmica decisão, mas porque bem escrito, corajosamente desmistificador e com cuidadosa fundamentação doutrinária.
A medida cria um precedente jurídico para que qualquer réu enquadrado na Lei de Entorpecentes tente suspender as sanções nela previstas até uma decisão definitiva das instâncias superiores competentes. É o passo mais sólido e decisivo jamais esboçado rumo à descriminalização das drogas no Brasil.
O episódio é novo também porque seus protagonistas estão imunes ao sabre autoritário. O Ministério Público intercedeu recentemente para proibir a Marcha da Maconha, negando a cidadãos o exercício pacífico dos direitos constitucionais à manifestação do pensamento e às liberdades de associação, reunião e locomoção. Pode-se usar a polícia para reprimir alguns cabeludos risonhos, mas ninguém enquadrará magistrados que defendem as mesmas causas.
Ainda assim, o Acórdão corre o risco de virar folclore, pois representa uma dose inaceitável de modernidade para a torpeza retrógrada de nossas instituições. Impedidos de resolver a pendência pela penalização da controvérsia, os porta-vozes do atraso já se mobilizam para contaminá-la de dogmas e distorções técnicas. Sai a apologia, entram a religião, a família e os bons costumes.
As instâncias superiores do Judiciário serão finalmente constrangidas a enfrentar o problema. Resta saber se agirão à altura de suas responsabilidades institucionais, em sintonia com a tendência mundial pela descriminalização, ou se sucumbirão aos apelos do conservadorismo proibicionista, arcaico e fracassado.
2 comentários:
Prezado Guilherme
Não consigo acessar o texto do Judiciário...Censura lá no Poder?
Koselitz, estou conseguindo acessar o linque. Mas vc pode tentar neste endereço:
http://cjo.tj.sp.gov.br/juris/getArquivo.do?cdAcordao=2572492
ou, então, diretamente na página do Tribunal de Justiça pelo número do processo: 01113563.3.
Abraços do
Guilherme
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