A fábula Satiagraha anuncia uma longevidade que ultrapassa os limites dos mandatos vigentes e talvez até das prescrições legais. Parece obra fechada, mas ainda faltam investigações, depoimentos, providências do Ministério Público e um interminável processo legal, com recursos e protelações.
É virtualmente impossível conhecer todos os detalhes do caso. O inquérito parcial ultrapassa as seis mil páginas. Salvo uma ou duas obviedades de fácil percepção, a complexidade do enredo escapará ao entendimento do público leigo. Há remessa ilegal de dinheiro, espionagem, tráfico de influência, corrupção ativa e passiva, além de inúmeros desvios éticos e funcionais que a Lei qualifica, mas cujas existências os mortais ignoram.
O poder coercitivo de Daniel Dantas não se compara ao de outros banqueiros e empresários muito mais bem sucedidos e influentes na política nacional. Ele talvez seja caso singular de empreendedor particularmente inescrupuloso e venal, mas nem assim chega aos pés de outros conhecidíssimos e antigos malfeitores ainda em atividade.
Sua especificidade, aparentemente, foi empreender uma cruzada vingativa contra o núcleo do governo Lula (ou contra o próprio presidente), cooptando ou prejudicando alguns de seus célebres apoiadores nos meios empresarial e midiático. Há algo muito esquisito no aspecto eminentemente pessoal e quase nunca técnico dos embates pró e anti-Dantas, cujas motivações permanecem obscuras. Seria prudente esperar que estas sejam reveladas antes de engolir qualquer versão.
Parece mínima a perspectiva de que os acusados (especialmente a família Dantas) sejam efetivamente punidos por qualquer irregularidade. O inextrincável leque de variáveis fragiliza o inquérito, permeando-o de excrescências jurídicas e irregularidades processuais que os bons advogados de defesa saberão aproveitar. Mas a maior razão para a previsível impunidade reside no envolvimento de uma gama inacreditável de autoridades e empresas com o fantasma Dantas.
Dizer que o escândalo “atingiu a ante-sala de Lula” reproduz uma mentira bocó. Só mesmo a imprensa paulistana, em sua histeria conservadora, acredita que as relações de Dantas com petistas e tucanos foram equivalentes.
As digitais do empresário estão grudadas nas privatizações e licitações dos governos FHC, nas conexões baianas do PFL-DEM, na Polícia Federal, no Legislativo e no Judiciário (inclusive no ilibado STF), nos governos José Serra e Gilberto Kassab, em Fernando Collor e Paulo Maluf, nas revistas Veja e IstoÉ, na rádio CBN (Globo) e na Folha de São Paulo. Nomes do primeiro escalão do PSDB estão diretamente envolvidos com Dantas, como Fernando Henrique Cardoso, Luiz Carlos Mendonça de Barros, André Lara Resende, Elena Landau e Pérsio Arida. Dantas tem ou teve relações com o Citibank, a Odebrecht, o Bradesco e a Kroll, para não citar dezenas de parceiros diretos do grupo Opportunity.
Isso tudo é apenas a crista do iceberg, a limitada parcela conhecida e juridicamente provável do esquema, sempre restringindo a análise à figura de Daniel Dantas e esquecendo momentaneamente de Naji Nahas e Celso Pitta. A oposição, partidos e imprensa inclusos, está em pânico. Os eventuais danos à imagem do governo Lula são mínimos perto da catástrofe desmoralizadora que uma verdadeira investigação causaria. Se cair, Daniel Dantas puxará consigo a cortina de hipocrisia e cumplicidade que protege alguns dos interesses mais poderosos do país e esconde as verdadeiras disputas político-eleitorais em curso.
E a situação é muito pior do que parece, dado o silêncio de alguns comentaristas e o inesperado, súbito e revelador apoio recebido por Dantas, Diogo Mainardi & Cia na blogosfera, na imprensa e até no Congresso Nacional. Vem aí o mais escandaloso episódio de abafamento, ocultação e impunidade da história brasileira republicana.
5 comentários:
Procuro me informar bastante sobre este caso,mas até agora paira uma pergunta:o que,de fato,aconteceu?
Se você puder esclarecer minha dúvida agradeço.
Alinne, como sempre, jamais saberemos o que "de fato" aconteceu. Dantas é um resíduo da corrupção dos governos FHC, que permaneceu, embora com menos poder, nesses anos Lula. Ao contrário do que propala a grande imprensa, não está em jogo a fusão Br-Oi, mas a extensão dos tentáculos corruptores nos tais governos. Por isso o caso se transformou em teatro de chantagem política, e pouco mais que isso.
Diogo Mainardi apoiando Dantas?!
Pára o Brasil que eu quero descer.
Angélica
Olá, Guilherme.
Gostaria de reproduzir este seu texto no Jornal de Debates, na discussão sobre a operação Satiagraha.
Aguardo retorno com seu ok.
Abs,
Nanni Rios - Jornal de Debates
nannirios@jornaldedebates.com.br
Olá, Guilherme.
Tenho acompanhado o caso e, para mim, a pior coisa é a influência no judiciário, no Supremo! Os caras são "amigos"! Porque é lá que tudo poderia mudar, vir à tona a verdade, não é? Manter o Dantas preso, manter a investigação e os investigadores do caso, doa a quem doer. O pior é descobrir que a instância máxima do judiciário de um país está do outro lado. Foi a maior vitória do FHC, colocar esse crápula no STF. O ser humano é uma m. mesmo. Não pode nada uma pessoa justa contra outra sem caráter.
Desculpe o desabafo, mas pra mim está muito claro. Não preciso de seis mil páginas. É claro que o Lula não é o mais atingido, mas o que ele está fazendo prova que também não pode nada contra esses mafiosos modernos. Nunca senti tanta decepção em minha vida, estou muito revoltada! Deveria haver uma greve geral desta vez, apenas para pressionar por justiça. JUSTIÇA UMA VEZ NA VIDA!!! Porque sabemos que as instituições não farão.
Abraços e parabéns pelo blog mais uma vez.
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