Tercio Sampaio Ferraz Júnior, advogado, professor titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP. É autor, entre outras obras, de "Direito Constitucional". Publicado em 3 de setembro de 2008, na Folha de São Paulo
"(...) Já no preâmbulo da Constituição, o constituinte fez inserir a liberdade como um dos valores supremos do Estado democrático de Direito, como um dos pilares 'de uma sociedade fraterna'. Em seguida, a liberdade é garantida no rol dos direitos fundamentais (Constituição Federal, artigo 5º, 'caput').
(...) A liberdade constitucionalmente assegurada implica a existência de uma permissão forte, que não resulta da mera ausência de proibição, mas que confere, ostensivamente, para cada indivíduo, a possibilidade de escolher seu próprio curso de ação, ainda que venha a sofrer conseqüências prejudiciais de seus atos.
Isso é particularmente relevante para a questão referente ao alcance das restrições impostas ao tabagismo.
A Constituição entende o tabaco como um produto cuja propaganda está sujeita a restrições por lei (artigo 220, parágrafo 4º). Se o produto é lícito, o consumo pode ser disciplinado em lei que lhe estabelecerá as condições de exercício, mas jamais a supressão do seu exercício a pretexto de discipliná-lo.
(...) Depreendem-se, assim, da proteção constitucional à liberdade e à saúde duas normas claras e gerais quanto ao destinatário, com relação à ação de fumar: uma permissão forte de fumar e uma permissão forte de não fumar.
(...) É preciso ficar claro que ser fumante ou não-fumante não diz respeito a uma condição da pessoa, mas à opção exercida por alguém acerca da sua exposição ou não aos riscos do tabaco. Por de trás da distinção entre saudável e não-saudável está a própria liberdade. Por exemplo, ninguém pode ser obrigado a receber uma transfusão de sangue se sua opção religiosa o proíbe.
Portanto, uma proibição absoluta de fumar para todo e qualquer recinto coletivo fere não só o espaço reservado à autonomia privada, como fere também o dever de conciliar os direitos do fumante e do não-fumante, quando em ambientes coletivos: o dever do Estado de harmonizar, tecnicamente, os respectivos exercícios. Liberdade, nesses termos, opõe-se à tutela estatal.
Como respondeu, certa vez, Hannah Arendt a amigos que a advertiam para que parasse de fumar em virtude de problemas com sua saúde: 'Recuso-me a viver para minha saúde!'. "
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