Leio-o como extensão inevitável ao “Kind of blue”, do mesmo Ashley Kahn. Mantêm-se a diagramação arrojada, as muitas ilustrações, os quadros informativos. É mais denso que o anterior, no entanto.
O ano de 1964 chegava ao fim. Os brasileiros ainda tentavam digerir o golpe militar de março/abril. Estreava o show “Opinião”, com Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale. Nas rádios, o auge comercial dos Beatles, “É proibido fumar”, de Roberto e Erasmo e “Berimbau”, de Baden e Vinícius. Os EUA entravam oficialmente na guerra do Vietnã, em meio ao acirramento e à generalização dos conflitos étnicos. Malcolm X e Martin Luther King pregavam para multidões.
John Coltrane (1926-67), já uma estrela da ABC-Paramount, desfrutava de ampla liberdade criativa. Seu grupo era formado por Elvin Jones (bateria), McCoy Tyner (piano) e Jimmy Garrison (baixo). Todos se reuniram no estúdio comandado por Rudy van Gelder para, numa curta seção noturna, gravar “A love supreme”.
A obra pode ser classificada como uma suíte em quatro partes, cuja unidade é comprovada pelos títulos religiosos (“Acknowledgement”, “Resolution”, “Pursuance”, “Psalm”). É uma profissão de fé, amargurada, fervorosa, catártica, digna de inserção definitiva no cânone da música ocidental.
No encarte do disco há uma longa oração escrita pelo saxofonista, para ser lida ouvindo “Psalm” (salmo). O solo de sax acompanha perfeitamente, sílaba a sílaba, essas palavras de louvor, repetindo o refrão “Thank you God” com a mesma sucessão de três notas graves. Experiência inesquecível, capaz de abalar os mais céticos.
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