sexta-feira, 12 de junho de 2009

Arthur Rimbaud (1854-91)

Vênus Anadiomene

Qual de um verde caixão de zinco, uma cabeça
Morena de mulher, cabelos emplastados,
Surge de uma banheira antiga, vaga e avessa,
Com déficits que estão a custo retocados.

Brota após grossa e gorda a nuca, as omoplatas
Anchas; o dorso curto ora sobe ora desce;
Depois a redondez do lombo é que aparece;
A banha sob a carne espraia em placas chatas;

A espinha é um tanto rósea, e o todo tem um ar
Horrendo estranhamente; há, no mais, que notar
Pormenores que são de examinar-se à lupa...

Nas nádegas gravou dois nomes: Clara Vênus;
- E o corpo inteiro agita e estende a ampla garupa
Com a bela hediondez de uma úlcera no ânus.
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O Adormecido do vale

Era um recanto onde um regato canta
Doidamente a enredar nas ervas seus pendões
De prata; e onde o sol, no monte que suplanta,
Brilha: um pequeno vale a espumejar clarões.

Jovem soldado, boca aberta, fronte ao vento,
E a refrescar a nuca entre os agriões azuis,
Dorme; estendido sobre as relvas, ao relento,
Branco em seu leito verde onde chovia luz.

Os pés nos juncos, dorme. E sorri no abandono
De uma criança que risse, enferma, no seu sonho:
Tem frio, ó Natureza - aquece-o no teu leito.

Os perfumes não mais lhe fremem as narinas,
Dorme ao sol, suas mãos a repousar suspiras
Sobre o corpo. E tem dois furos rubros no peito.

Traduções de Ivo Barroso.

5 comentários:

Blog do Morani disse...

12/06/09

O relacionamento de Rimbaud ao seu amante Verlaine - sempre agitado e cheio de lances terríveis à delicada natureza do poeta - não lhe tirou, nem por momentos, a verve poética e a beleza de seus versos. Pelo contrário, exacerbou ainda mais a beleza que trazia consigo durante a curta vida de trinta e sete anos apenas. Tive a feliz oportunidade de assistir o documentário sobre a vida desse jovem francês apaixonado por tudo o que fazia, nem sempre com muito sucesso, no Canal da TV Educativa.
Não conhecia dele nem um só trabalho; agora tenho a chance de ler dois riquíssimos sonetos de sua pena. Grato pela publicação deles em seu blog. Precisamos de muito mais cultura, e os blogs são um meio perfeito a disseminar coisas palatáveis num momento em que somente péssimas novidades nos chegam aos olhos.
Meus cumprimentos.

Julio Cesar Corrêa disse...

Um homem que escreve tais maravilhas não podia mesmo se sentir confortável neste mundo. Parece ser o preço a ser pago pelos gênios.
abraço

jayme disse...

Rimbaud está entre aqueles de quem se pensa: como coube tanto em tão pouco tempo? A destacar o trabalho do tradutor Ivo Barroso, um dos mestres desse ofício pouco valorizado no Brasil.

Raphael disse...

o que aconteceu com o blog do bourdoukan? voce sabe?

Unknown disse...

Tenho uma antiga indicação (jamais postada) para Morani, Julio Cesar, Jayme e outros interessados pelo assunto: o filme "Eclipse de uma paixão" (1995), dirigido pela polonesa Agnieszka Holland, com Leonardo di Caprio no papel de Rimbaud e um ótimo David Thewlis como Verlaine. É um interessante apanhado biográfico da curta mas intensa vida do primeiro, apesar da parte africana, ao final, me parecer um tanto frouxa.
Raphael, repercutiu bastante o sumiço do blog do Boudourkan. Todos estão se perguntando o que teria acontecido, inclusive eu, sem resposta.
Abraços a todos do
Guilherme