sexta-feira, 13 de agosto de 2010

“A origem”


Mesmo que levássemos em conta apenas a superfície imediata do entretenimento, o filme superaria a média industrial hollywoodiana. Nem tanto por mérito do jovem e talentoso Cristopher Nolan, mas graças ao arrojo técnico empregado para contar sua história mirabolante. Os efeitos visuais atingem um grau de ilusionismo assombroso. A edição é exemplar. Prêmios técnicos não faltarão ao filme.

Há, no entanto, um pequeno detalhe.

A música “Je ne regrette rien”, cantada por Edith Piaf, surge freqüentemente, servindo a necessidades dramáticas. Os protagonistas a utilizam como uma espécie de gatilho para retornar das viagens pelos sonhos. Depois que os inconscientes foram devidamente treinados, basta-lhes ouvi-la e todos despertam imediatamente, salvando-se de apuros eventuais.

Mas trata-se também de uma referência exterior ao próprio filme: a canção desloca nosso raciocínio da personagem-chave “Mal” para sua intérprete, a francesa Marion Cotillard. Pois é impossível não lembrar a própria Cotillard no papel de Edith Piaf, cantando exatamente “Je ne regrette rien”.

Enquanto “Mal” só existe no mundo onírico, a identificação da atriz com seus trabalhos anteriores faz sentido apenas no plano dos espectadores conscientes. A citação extrai os personagens de suas imersões pela fantasia e ao mesmo tempo nos retira de “A origem” (ou do “sonho” representado pelo filme) para devolver-nos à realidade exterior.

Se qualquer outra canção preservasse o mesmo sentido conveniente à trama (“não lamento nada”), as lucubrações acima virariam delírios absurdos. Mas a escolha dessa música, entre inúmeras possíveis, é precisa e enriquecedora demais para soar casual. E assim descobrimos a essência do código metalingüístico em sua plena realização.

7 comentários:

Charles Bravowood disse...

Muito boa sua resenha de "A origem", quando a comentou no Paranóico, suspeitei que fosse na verdade um post, uma boa postagem por sinal. Também acho que muitos prêmios vão surgir para esse filme.

Charlie B.

Drika Maraviglia disse...

Olá Guilherme,

Retribuindo a visita e o comentário. Há muito tempo que não fico tão impressionada com um filme como fiquei com "A Origem".
Espero que leve muitos prêmios além dos técnicos e que muito mais do que isso, seu sucesso sirva como exemplo para ajudar a por mais qualidade nas próximas produções de Hollywood.
Abraços e parabéns pelo blog,

Drika

Drika Maraviglia disse...

Olá Guilherme,

Retribuindo a visita e o comentário. Há muito tempo que não fico tão impressionada com um filme como fiquei com "A Origem".
Espero que leve muitos prêmios além dos técnicos e que muito mais do que isso, seu sucesso sirva como exemplo para ajudar a por mais qualidade nas próximas produções de Hollywood.
Abraços e parabéns pelo blog,

Drika

Juliana disse...

gostei dessa observação.

O Neto do Herculano disse...

A metalinguagem neste caso é realmente interessante. No entanto, creio que a ideia de questionar o que é sonho e o que é realidade, e os seus sonhos dentro de sonhos, se perde a meio a tantos tiros e perseguições. O roteiro ficaria bem melhor nas mãos de um Charles Kaufman.

Funcionária do Mês disse...

Post brilhante! Assisti ao filme e gostei muito, meu marido e eu conversamos sobre ele por horas. Mas não tinha prestado atenção nessa relação da música escolhida. Parabéns!

Anônimo disse...

Guilherme,
também vi o filme e achei muito interessante. Muito boa sua observação. Eu achei que o "je ne regrette rien" era para que a pessoa se desligasse do que a prende ao sonho, ao passado, que na verdade foi o que aconteceu com a Mal que não queria acordar mais. Agora, esse tema de confundir realidade com imaginação é a segunda vez que o Leonardo di Caprio aborda né, teve aquele outro filme do presídio, você viu?
Acho que esses limites estão bastante confusos para os estadunidenses, talvez pela excessiva manipu~lação da mídia, os eventos mal esclarecidos do 11/9, e por ai vai. Você não acha?