segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A Bienal de/sem Beuys


Publicado na página da Mundo Mundano

Por que Joseph Beuys (1921-86) não foi incluído na 29ª Bienal de São Paulo? A mostra do artista alemão no Sesc Pompéia ajuda a escancarar essa lacuna. Há uma boa seleção de cartazes, uma nem tanto de “múltiplos” (objetos variados) e outra de vídeos fundamentais, registrando ações (“happenings” e performances), depoimentos, debates. Quase todas valem pelo registro histórico. Em “Provokation” (Doc 1), de 1970, discussão acalorada transmitida pela TV WDR, participa (pouco) o grande Max Bill.

Beuys (“bóis”) era um visionário. Anteviu os grandes temas da contemporaneidade, e não apenas no universo artístico: ecologia, globalização, ativismo. Tinha um discurso às vezes confuso e generalizante, ou demasiado intuitivo, para defender-se em público. Mas suas esculturas e instalações atingiam altos graus de complexidade, no manuseio dos materiais, no diálogo entre forma e sentidos, na imensidão conceitual aberta pelo conflito entre artifício e natureza.

Fica evidente que as dimensões do projeto no Sesc não permitiam trazer as obras de Beuys, mas uma Bienal com proposta “política” deveria incluí-lo. Não o faz. E, mesmo assim, ele está em toda parte.

Os competentes curadores superaram a estupidez do vazio mentecapto e realizaram a melhor das últimas Bienais. É programa para se repetir. Numa visita única, a boa dica é reservar mais tempo ao terceiro piso, ou começar por ali. Lembra as grandes mostras históricas do último andar, naquelas saudosas edições dos anos 90.

Os destaques ali são os espaços dedicados a Antonio Dias, Artur Barrio, Daniel Senise, Grupo Rex (do recém-falecido Wesley Duke Lee) e, muito especialmente, a hipnotizante, inesquecível seqüência fotográfica (“slideshow”) de Nan Goldin, “The ballad of sexual dependency”. No primeiro piso, é interessante conhecer a área de convívio criada por Marilá Dardot e Fábio Morais e as obras de Luiz Zerbini e Nuno Ramos. No segundo, há a retrospectiva de Douglas Gordon e “350 pontos rumo ao infinito”, de Tatiana Trouvé, dialogando com a já antológica “Fantasma” (1998) de Barrio. Não por acaso, ele foi instalado bem próximo, com sua “Da inutilidade da utilidade da política da arte”, que tem afinidades com o “111” (1992), de Nuno Ramos. Ambos os artistas, aliás, sempre beberam na fonte de Beuys.

O obscurantismo exibicionista levou os urubus de Nuno Ramos, dilapidando o impacto da gigantesca “Bandeira branca”. Enquanto isso, as panorâmicas “Pixação SP” (nos três pavimentos) reforçam o paradoxo insanável proposto pelos ativistas de rua. É fácil exibir documentários sobre sua rebeldia e mantê-los afastados das paredes impolutas do circuito exibidor. Mas, se o coletivo de contraventores anônimos precisa manter-se clandestino para afirmar a própria identidade, por que faz tanto esforço para invadir o ambiente da Bienal? E se esta renega os pichadores, por que se apropria de seu exemplo para forjar apologias à intervenção urbana, à Antiarte, etc?

Beuys nunca foi tão necessário, atual, onipresente. A Bienal que o esquece é a maior prova de seu legado.

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