segunda-feira, 18 de abril de 2011

Democracia de conveniência



Pesquisas de opinião levam a crer que a pena de morte, a criminalização das drogas, do aborto e da eutanásia, a restrição dos direitos de homossexuais e outras medidas conservadoras seriam aprovadas pelo eleitorado brasileiro, caso lhe coubesse decidir. Por outro lado, com deputados e senadores protegidos na aridez brasiliense, ao cidadão é quase impossível pressionar seus representantes. Resta-lhe confiar que respeitarão as diretrizes de campanha, que saberão intuir as demandas do seu público e que lhes darão alguma importância. Sabemos que não é o que acontece.

Todas as pautas deveriam ser submetidas a escrutínio público, no apaixonado ambiente do marketing eleitoral? Mesmo que a desinformação do público e a manipulação da mídia corporativa levassem a retrocessos graves, as leis não teriam mais força e reconhecimento geral se fossem discutidas e aprovadas pelos cidadãos?

Penso que sim, com uma enorme ressalva: instrumentos de participação popular (consultas, plebiscitos, referendos) deveriam ser periódicos, numerosos e obrigatórios. Sempre que se tratasse de alteração constitucional ou que algum partido ou organização conseguissem levantar o necessário apoio da sociedade, a população resolveria a polêmica.

Não importa o casuísmo da iniciativa (a política é oportunista por natureza), tampouco se ela retoma assunto já discutido (não haveria evolução histórica se ficássemos presos às decisões consagradas) e menos ainda os custos da medida, que poderia levar a uma revolução em termos de cidadania e conscientização. Se vamos realmente falar em democracia, aceitaremos que o contribuinte decida seu próprio destino e mude as coisas sempre que lhe convir.

O que vivemos, no entanto, é uma fantasia participativa de fachada sufragista. Quando alguém leva a sério essa história de “clamor das ruas” e chama o verdadeiro povo para o centro do debate, a brincadeira termina rapidinho. Perguntem para José Sarney se ele aceitaria uma assembléia reformista eleita exclusivamente para fazer a reforma política.

2 comentários:

Junior disse...

Scalzilli, concordo plenamente com o exposto. Creio que se o cidadão brasileiro tivesse oportunidade de participar mais das decisões políticas, esse ambiente engendraria maior consciência em nossa população.

joao p. guedes disse...

Muito bem arrazoado. Num país sério, as emendas constitucionais passam obrigatoriamente por prévia consulta popular. Nossa Constituição Federal de 1988 tem sido reputada como uma das melhores do mundo, em termos de previsão de direito, garantias e limitações do exercício de poder do Estado nas relações com os cidadãos. Porém, a cultura do povo brasileiro nunca foi de obediência às normas positivadas. DIante desse vezo, qual o mais fácil? Mudar a regra! É isso que tem sucedido ao longo de nossa história política, deixando a constituição sobrecarregada de emendas, além de uma inflação legislativa que reproduz o que já foi normatizado e ainda em vigência. Em termos alegóricos, pode-se dizer que os legisladores e magistrados não se satisfazem com clareza do significado de "cocada", deve-se dizer que a "cocada é de côco", ou mais ainda, que a "cocada é de côco do coqueiro"!