segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A esquerda entorpecida



A expulsão dos moradores de rua das áreas centrais de São Paulo e a proposta de internação compulsória de usuários e dependentes de crack são gestos desesperados de um espírito repressivo que tenta espalhar seus tentáculos para não sucumbir junto com o fracasso das políticas proibicionistas antidrogas. Criminalização do tabagismo, leis secas, toques de recolher e outras medidas similares também personificam espasmos dessa reação, que age pelas brechas possíveis para fortalecer o controle estatal da individualidade, tentando compensar ou impedir o inevitável relaxamento das legislações repressivas.

Deve-se ter algum cuidado ao refletir sobre a legalidade dessas patadas autoritárias. Claro que o encarceramento de miseráveis e doentes é inconstitucional, mas, à luz de uma interpretação doutrinária dos direitos básicos de cidadania, o consumo privado de qualquer substância deveria receber idêntico resguardo. Ao mesmo tempo, entretanto, um legalista radical não veria problema em recolher pessoas que usam drogas nas vias públicas, que ameacem ou constranjam os passantes, que demonstrem sofrer de graves distúrbios físicos.

A esquerda precisa compreender que a abordagem policial tem respaldo na legislação e amplo apoio popular. Na ocupação das favelas cariocas o embasamento era semelhante, e lá tampouco serviu apelar para o discutível argumento da especulação imobiliária. Se quiserem mesmo transformar as coisas, os progressistas devem abrir caminhos institucionais para a reformulação do paradigma legal que envolve a produção, a posse e o uso das drogas. As bases dos governos Lula/Dilma têm perdido a chance de assumir a vanguarda desse debate, permitindo que a direita preserve suas políticas obsoletas e imponha remendos canhestros quando alguém ameaça questioná-las.

2 comentários:

RAS disse...

lendo parece a certa altura q falta ria é uma "paidagogia" pra esse pessoal q em vias constranjam os passantes do [espaço] físico: "— Quer vir pra cá, então se comporta!".

Ladislau Cardoso disse...

A partir deste texto, reproduzido no blog "Doladodelá", do jornalista Marco Aurélio Mello, comentei em 10/01/12:

Pois é, mais uma discussão sobre direitos humanos. Hoje, o combate às drogas, amanhã, nas páginas da história, uma droga de combate.
A direita deste pais fragiliza o Estado com a inépcia e discursos moralistas e, assim, vai mantendo seus currais eleitorais e se perpetuando no poder. A esquerda permissiva finge trabalhar pelo social, dialogar com as pessoas, mas se recolhe no conforto dos desgastados e mal cheirosos gabinetes públicos. O mesmo odor exalado pelos "Moinhos" habitacionais do Brasil ali é sentido. Há muitas drogas, igualmente virulentas que devem ser lembradas e discutidas. E o ensino publico de qualidade é o melhor antídoto. O blog Cloaca News, aqui divulgado, relembra a Escola Vocacional do início dos anos 60. Uma proposta da educadora Maria Nilde Mascellani. Também tive o privilégio dela participar, inclusive da exposição dos trabalhos dos alunos no final daquele ano - 1961. Uma das poucas experiências em São Paulo, localizada no Grupo Escolar Alberto Torres, no Butantã. O conceito era a descoberta, pelo jovem, de sua individualidade e potencialidades. "Pensar e fazer, fazer e pensar" encerrava a filosofia daquela modalidade de ensino. A caserna, cujo canhão falava mais alto, detonou a escola mais revolucionária que este país conheceu.
Hoje, que droga de discussão, deve estar questionando o adolescente das cracolândias. Ele não quer ser erradicado.
Ele também quer participar do desmonte dessa farsa discursiva.
Brasil, pobre povo pobre!