segunda-feira, 3 de junho de 2013

A herança do tribunal

















Publicado no Amálgama.

Podemos dividir o julgamento da Ação Penal 470, pelo Supremo Tribunal Federal, em três equívocos centrais: I) o falso pressuposto do chamado “mensalão”, II) o viés político dos votos condenatórios e III) a ausência de provas contra os réus.

I

“Não era mensalão porque não era mensal. Isso foi a visão que a imprensa consagrou”, declarou o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello. “Nem indício apareceu desse pagamento de montante regular e mensal”, escreveu Jânio de Freitas. “A mentira central deu origem ao nome – mensalão – que não se adapta à trama hoje conhecida. Torna-se, por isso, ele também uma mentira.” Paulo Moreira Leite ressalta que “até agora não apareceu um caso concreto de compra de votos no Congresso durante o governo Lula. Não há uma lei que teria sido aprovada com esse tipo de ajuda”.

O longo caminho da “Construção do mensalão”, foi esmiuçado pela revista Retrato do Brasil. “O fato básico do mensalão, para ser provado no STF, exigiu uma invenção, uma mentira: um grande desvio de dinheiro público do Banco do Brasil, de 73,8 milhões de reais, e um desvio menor, da Câmara dos Deputados. Não existe, repetimos, a mínima prova desses desvios. E mais: há provas, fáceis de obter e abundantes, de que os recursos públicos citados foram gastos efetivamente na promoção de vendas de cartões de bandeira Visa do BB e em campanhas de publicidade da Câmara dos Deputados.”

II

Bandeira de Mello acredita que “foi violado o princípio do duplo grau de jurisdição” no julgamento em bloco pela máxima instância do Judiciário. Para Jânio de Freitas, a decisão “carrega um componente político que nada e ninguém pode negar. A Polícia Federal também deixa condutas deploráveis na história do mensalão do PSDB. Aliás, em se tratando de sua conduta relacionada a fatos de interesse do PSDB, a PF tem grandes rombos na sua respeitabilidade.”

Moreira Leite considerou “inacreditável que dois esquemas tão parecidos, que movimentaram quantias igualmente espantosas, tenham recebido tratamentos diferentes – no mesmo tempo e lugar. (...) O mensalão do PSDB-MG escapou pela porta dos fundos. Ninguém sabe quando será julgado, ninguém saberá quando algum nome mais importante for absolvido em instancias inferiores, ninguém terá idéia do destino de todos. (...) O caminho foi diferente, a defesa terá mais chances e oportunidades. Não dá para corrigir.” Em outro texto, o autor comentou as manifestações antipetistas na corte, salientando a estranheza de se ouvir um “ministro do STF fazer referências tão explícitas a uma das partes envolvidas.”

III

“Foram desrespeitados alguns princípios básicos do Direito, como a necessidade de prova para condenação, e não apenas a suspeita, a presunção de culpa”, afirmou Bandeira de Mello. Para Moreira Leite, “a teoria do domínio do fato foi invocada quando se viu que não era possível encontrar provas contra determinados réus. (...) Temos uma denúncia sem nome, sem horário, sem data”.

O assombro maior advém, quase invariavelmente, da condenação de José Dirceu. Ainda Moreira Leite: “Nas centenas de páginas do inquérito (...) não há menção a Dirceu como chefe de nada. Nenhuma testemunha o acusa de ter montado qualquer esquema clandestino para desviar qualquer coisa.” Até Marcelo Coelho, sempre elogioso às posturas do STF, admitiu que “não houve nenhum e-mail, nenhuma transcrição de conversa telefônica, nenhuma filmagem, provando claramente que ele [Dirceu] deu ordens a Delúbio Soares para corromper parlamentares.”

Jânio de Freitas resumiu o caráter dessa lacuna: “a condenação de José Dirceu está apoiada por motivos políticos. E, à falta das provas cabais para condenação penal, forçosamente originada de motivações políticas.” “O relator Joaquim Barbosa se expandiu em imputações compostas só de palavras, sem provas. E, em muitos casos, sem sequer a possibilidade de serem encontradas.”

IV

Mesmo que fosse razoável desqualificar todos os personagens e veículos citados como petistas ou militantes de esquerda, seus questionamentos possuem uma gravidade que ultrapassa polarizações ideológicas. Pois eles apontam que o STF admitiu a veracidade de um factóide jornalístico, endossou um inquérito falho e condenou indivíduos sem provas, baseado em suas ligações político-partidárias.

A interpretação hegemônica, por outro lado, confia na infalibilidade dos julgadores. Ignorando os detalhes processuais, o raciocínio adota um jogo de suposições pueris: se muitos ministros foram indicados por administrações petistas, se concordaram com as estruturas gerais da acusação, se disseram ter estudado o papelório e se pareceram tão convictos, seus votos foram imparciais e inquestionáveis.

Já sabemos que visão predominará no curto prazo. Restará à memória histórica, porém, o registro da atuação dos membros do STF e dos seus apoiadores dentro e fora da mídia.

2 comentários:

Daniella H. disse...

Guilherme Scalzilli,

Trata-se de um bom resumo dos principais levantes com relação à condução do julgamento da Ação Penal 470. Destaco a sua conclusão, ao fazer a ponderação da reverberação do debate, que muitas vezes perde em qualidade pela tentativa de enquadra-lo em um jogo maniqueísta entre direita e esquerda.

dilamar santos disse...

Pois o inacreditável disto tudo foi, diversos e excelentes advogados de defesa dos réus ,dispondo de todo o tempo do mundo, não terem sido capazes de derrubadar as incongruências da acusação.E fica muito claro a diferença do início do julgamento,ao final , de como muita coisa mudou. É de se pensar...