As figuras antipáticas e impopulares de Anthony Garotinho e Sérgio
Cabral embotam os significados de suas prisões. Mas a identidade dos
personagens (e até sua inocência) tem pouco a ver com o aspecto mais
preocupante dos episódios: o exibicionismo punitivo esvaziado de conteúdos
jurídicos ou morais.
A banalização do encarceramento, a humilhação pública dos
réus, a pantomima da soldadesca, a verborragia agressiva dos procuradores, eis
que o teatro “excepcional” da Lava Jato vai sendo naturalizado, virando uma
rotina de atitudes extremas desnecessárias.
Esse costume só existe graças ao limitado leque partidário da
operação. Sua isonomia negativa espelha o recorte originalmente desigual, que também
explica a tolerância que a operação desfruta na cúpula do Judiciário. Se
tratamentos indignos pudessem atingir lideranças do PSDB, o precedente seria
cortado na primeira tentativa.
O padrão temerário da Lava Jato evidencia uma peculiar desconfiança
nos ritos processuais. As cortes inferiores e as autoridades policiais parecem
querer castigar os indiciados antes que se defendam, exorbitando o prejuízo
para que ele fique irremediável mesmo no caso de absolvição. Preferem tolher direitos
ao risco de impunidade.
Há quem considere tais direitos “privilégios”, alegando que fogem
às práticas vigentes. Assim opera o que chamei de “malufismo jurídico” (abusa
mas prende), um raciocínio de fachada solidária que parte das violações cotidianas
sofridas por negros e pobres para chegar à tolerância com as violações praticadas
contra ricos e brancos. Em vez de se rechaçar quaisquer formas de injustiça,
defende-se generalizá-la.
A metáfora bélica do “combate” à corrupção explica o tom
raivoso dos seus apologistas. Mas não é outro o espírito do crime organizado,
nem o da polícia assassina. Em comum, a ideia de que o exercício pleno da
cidadania configura um obstáculo, uma veleidade burguesa ou, pior, um
subterfúgio de malfeitores.
E a narrativa guerreira é sedutora. A glamourização midiática
alimenta a ostentação repressiva gratuita, que alimenta o gozo obsceno com o
sofrimento de Garotinho, Cabral e outros réus. O apelo sensacionalista supre a
falta de motivos para os requintes autoritários e desmoraliza, ou inibe,
eventuais medidas recursivas que venham repará-los.
O comando da Lava Jato sempre buscou exatamente isso: saciar
a psicose vingativa do público, instrumentalizando o espetáculo do
justiciamento precoce em troca de uma popularidade que imponha as “convicções”
dos acusadores. Quando fizerem o mesmo com Lula, por exemplo, todos ficarão
satisfeitos e conformados.
Tipicamente fascista, o punitivismo demagógico não é apenas um
sintoma da falência dos valores da democracia representativa. É, acima de tudo,
elemento agravador do problema. O apoio da sociedade nunca legitimou fenômenos
dessa natureza; pelo contrário, abriu caminho para tragédias históricas. Já
devíamos ter aprendido a evitá-las.
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