quinta-feira, 11 de outubro de 2018

O voto nulo não anula nada



Os fóruns digitais transbordam em receitas para a vitória de Fernando Haddad, exercícios de futurologia apocalíptica e sessões de ressentimento grupal. Virou hábito exigir recuos programáticos do petista, malhar a estratégia de Lula e culpar seu partido pelo triunfo momentâneo do fascismo. Todos já sabiam, avisaram, estão decepcionados.

Valesse a pena alimentar controvérsias, minha participação seria desacatar esses consensos. Por exemplo, questionando a narrativa de que Ciro Gomes teria mais chance de superar Jair Bolsonaro ou mesmo de impedir que este vencesse de imediato. O pedetista conseguiria 75% da votação estimada para Lula, como fez Haddad? O antipetismo pouparia uma chapa com o PT na vice-presidência? A bancada do PSL ficaria menor?

Também acrescentaria que a vitória do fascismo está longe de representar uma derrota isolada do PT. Foi o fracasso da direita antipetista que gerou o monstro reacionário: a frustração com o impeachment bandido, com a ruína moral da Lava Jato e com a vitimização inevitável de Lula. Os 50 milhões de votos de Bolsonaro equivalem à soma dos candidatos presidenciais do então futuro condomínio golpista no primeiro turno de 2014. Não é coincidência.

Mas prefiro fugir das platitudes hegemônicas, acomodadas em profecias autorrealizáveis e palpites desejosos. Parece mais urgente contrariar certas alas propositivas que se dedicam a afagar o fascismo como estratégia de aglutinação contra ele mesmo. Embora já presente na divulgação de dicas “sinceronas” (escondam Lula, tirem o vermelho, omitam o golpe), o esforço para tolerar bobagens chega ao ápice nos diálogos sobre o voto nulo.

Há tempos venho apontando que o “isentão” é um personagem reacionário que se legitima pela falsa imparcialidade. Tipicamente fascista, o niilismo antipolítico não rechaça todos os partidos, mas apenas aqueles que o negam e, por extensão, alinha-se aos que o adotam. Ecoando os argumentos de Bolsonaro e evitando ameaçar sua liderança parcial, o voto nulo no segundo turno revela uma escolha bem demarcada.

Isso explica os obscenos paralelos usados para rejeitar Haddad e Bolsonaro, como se fossem equivalentes em qualquer tema. Ou a defesa simultânea do voto útil para Márcio França, por exemplo, e do nulo na disputa presidencial. Pois há lógica nessa “loucura”. Quanto mais irracional o ódio ao PT, menor a sua dívida com a sensatez e a responsabilidade histórica. Menor, portanto, a disposição para o diálogo.

Se o antipetismo virou um detergente moral das consciências que vinham apoiando a escalada autoritária, o voto nulo serve a uma pantomima de superação tardia do erro. A apologia da anulação demarca o arrependimento dolorido e agressivo daqueles que sabem ter ajudado a criar condições para que o PT encabeçasse uma frente democrática no país. Hoje se escondem na suposta falta de opções, mas suas escolhas de outrora são incontornáveis.

Concordo que o momento pede moderação, espírito gregário, tolerância. Mas existe um ponto em que o acordo vira adesão unilateral. Pessoas que exigem concessões para repudiar alguém como Bolsonaro não valem o preço de legitimar uma postura indecente por natureza. Quando os anuladores não percebem logo seu favorecimento à barbárie, ou fingem não percebê-lo, é o caso de buscar interlocuções mais construtivas e eficazes.

Independentemente do resultado eleitoral, a luta contra o fascismo dependerá de parâmetros claros e posições firmes. A condescendência afoita da esquerda com seus adversários ameniza as diferenças que definem os papéis de cada um nesse período tenebroso.

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