sexta-feira, 12 de agosto de 2011

“Melancolia”



Sublime alegoria sobre a depressão e o pessimismo. Impossível sair imune à força de suas imagens, ao texto incômodo e poético, ao elenco soberbo. Lars von Trier talvez seja maluco, indigesto e autocomplacente demais para o bom-mocismo piegas que contamina a indústria do entretenimento. Mas trata-se de um artista maior, mestre atemporal e obrigatório, cuja permanência independe dos aplausos da provinciana crítica cinematográfica ou do conservadorismo politicamente correto hegemônico nos festivais e nas academias.

A abertura é antológica, uma sucessão de belíssimas metáforas oníricas sob o prelúdio do 1º ato de “Tristão e Isolda” (Richard Wagner), com referências ao pré-rafaelita John Everett Millais (1829-96), ao surrealismo de René Magritte (1898-1967) e Giorgio de Chirico (1888-1978), às paisagens de Pieter Brueghel, o Velho (1525-69), às fantasias audiovisuais do contemporâneo Matthew Barney (especialmente a série “Cremaster”, de 1994-2002) e à plasticidade contemplativa de Andrei Tarkovski (1932-86), homenageado no fortíssimo “Anticristo” (2009) e óbvia fonte de influência para todo este “Melancolia”.

Uma cena de transição à narrativa principal, quando Justine substitui reproduções do luminoso abstracionismo geométrico por aquelas sombrias imagens figurativas, deixa evidente a intenção de promover um diálogo estético de linhagem histórica bastante precisa. A onipresença do tema wagneriano, como espécie de antecipação dos ciclos patológicos da protagonista, além do efeito dramático, induz a uma reflexão acerca da atualidade do imaginário romântico, especialmente o do sturm und drang, tão caro aos radicalismos pós-modernos.

Há, no entanto, uma negação amarga da nostálgica valorização da Idade Média pelo Romantismo, personificada nas fantasias cortesãs que permeiam a cerimônia de casamento. Aqui, a lembrança de “Festa de família” (1995), manifesto de Thomas Vinterberg que ajudou a fundar o também radical Dogma 95, é imediata e sugestiva. Rompendo quase todos os ideais do movimento, “Melancolia” também rejeita qualquer ilusão coletivista que amenize a tragédia inevitável.

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