sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Paga quem quer?



O STF permitiu o recolhimento da contribuição sindical, desde que o trabalhador possa recusá-lo. A decisão, meio capenga, não esclarece como o veto deverá ser formalizado e abre espaço para futuros conflitos judiciais e retrocessos legislativos.

Evitando afrontar a reforma trabalhista, o STF endossou a mercantilização de um direito constitucional. Sindicato presta serviço. Curiosamente, porém, segue uma lógica oposta à do consumo: embora todos se beneficiem dos resultados, só os remunera quem quiser.

Livre-arbítrio com prejuízo alheio é refresco. Não vemos defensores do sindicalismo gratuito ousando questionar a obrigatoriedade das dezenas de tributos que os cidadãos pagam sem receberem contrapartidas satisfatórias ou sequer tangíveis.

Se o funcionário pode abrir mão do sindicato, poderia também recusar os serviços do chamado Sistema S, amealhando a parte que lhe cabe nesse imposto. E o empresário que repudia o viés golpista das federações tem o direito sacrossanto de não financiá-las.

Outro farisaísmo peçonhento é a ideia de acabar com a unicidade sindical. Como de costume, a cartilha meritocrática esconde um projeto malsão: divididas pelo faroeste ideológico, as categorias ficariam reféns dos grupelhos alinhados ao patronato.

E, de novo, o espírito neoliberal vale apenas para os inimigos. Não serve, por exemplo, para derrubar a unicidade das guildas profissionais. Que tal permitir várias ordens de advogados e vários conselhos de medicina, arquitetura, publicidade, jornalismo?

A concorrência aumentaria a “produtividade” dos sindicatos, mas não a dos escritórios corporativos? A discórdia política desobriga o financiamento de greves, mas não o de apologia bolsonarista? Quem decide qual representação é mais legítima?

Essas comparações parecem absurdas, mas são estimuladas pelos próprios raciocínios contrários aos sindicatos. É absurdo tratá-los excepcionalmente em função de prerrogativas que, por natureza, demandariam observância igualitária e universal.

O idílio optativo capitalista é dominado pelo financiamento compulsório de monopólios e cartéis. Isso ocorre do comércio varejista aos serviços públicos essenciais, passando pela tecnologia digital e pelos bens de entretenimento e cultura. Tudo normalizado.

Mas, no fundo, a intenção não é aumentar a liberdade de escolha dos trabalhadores, e sim neutralizá-la. A fraqueza de seus representantes atinge também as demandas que eles incorporam, reduzindo-as a um “possível” sempre indesejado e arbitrário.

Resta muito a debater sobre o papel dos sindicatos frente aos novos paradigmas das relações de trabalho. Por enquanto, já sabemos que a penúria do sindicalismo produz reajustes salariais nulos, perda de direitos e sobrecarga compulsória de jornadas.

Quem associa essas mudanças à exploração impune da mão-de-obra faz o jogo dos exploradores. E o melhor teste para as boas intenções dos reformistas é verificar até que ponto aceitam generalizar sua retórica modernizante e sua demagogia libertária.

Um comentário:

Mário disse...

Ótimo texto Guilherme. O imposto sindical obrigatório ainda se faz necessário frente a grande ofensiva, via desinformação, dos setores empresariais beneficiados pela ignorância de certa parcela da classe trabalhadora.