Publicado no Brasil 24/7
As chamadas “taxas de conveniência” tornaram-se
rotineiras no comércio eletrônico de ingressos para espetáculos artísticos e
esportivos. Apesar da tolerância do Judiciário, entretanto, essa cobrança desrespeita
vários dispositivos legais e deve ser regulamentada ou coibida com urgência.
É importante lembrar que a taxa não inclui o envio
do ingresso a domicílio, mas apenas a disponibilização de um canal para transações
realizadas à distância. Trata-se, portanto, de mero instrumento de comercialização,
e não de um serviço autônomo, caracterizado por contrapartidas que
justificassem remuneração extra.
A internet é parte fundamental da vida cotidiana, e
jamais onerou as muitas atividades produtivas que a utilizam. Ninguém precisa
recolher taxas para pagar boletos bancários ou realizar compras pelo
computador. Ademais, a facilidade, a agilidade e a segurança da operação
comercial constituem direitos do consumidor, não privilégios ou favores.
A questão da tal “conveniência” leva a indagar
quem a taxa favorece na verdade, pois o suporte digital viabiliza o consumo em
situações que normalmente o desestimulariam. Sem a internet, os produtores
amargariam prejuízos, já que uma parcela importante dos espectadores não tem
condições de se deslocar aos guichês “oficiais”.
Os pontos de venda físicos geram custos
operacionais elevados para os vendedores (salários, benefícios, encargos,
aluguéis, equipamentos, seguros, etc), que ultrapassam os dos escritórios
dotados de tecnologia para o comércio virtual. Essa diferença fica mais
evidente considerando as respectivas produtividades, isto é, o número de
ingressos vendidos no mesmo período. As empresas cobram mais para aumentar seus
dividendos.
Também é falacioso afirmar que o comprador tem
alternativas. Há diversos obstáculos externos que impedem o deslocamento da
população nos horários comerciais. As poucas bilheterias disponíveis, amiúde
situadas em locais de difícil acesso, restringem a aquisição presencial à
inviabilidade prática. E não existem escolhas possíveis dentre os fornecedores
do “serviço” taxado, pois as vendas para cada evento são monopolizadas.
Por fim, mas não menos insidiosa, resta a cobrança
proporcional sobre o valor de face dos ingressos. Além de arbitrários e
exorbitantes, os costumeiros 20% originam preços desiguais para produtos idênticos
do ponto de vista operacional. Seria o mesmo que uma instituição bancária aplicar
tarifas variáveis em transferências ou folhas de cheque avulsas, como se os
aportes financeiros envolvidos afetassem o custo desses produtos.
Resumindo os argumentos expostos, as infrações
cometidas pelas empresas que cobram a “taxa de conveniência” seguem abaixo:
- Cobrar por serviço inexistente: inciso IV do artigo
6 da Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
- Onerar procedimento indissociável da compra: parágrafo
2º do artigo 20 do CDC.
- Majorar injustificadamente os preços: incisos V
e X do artigo 39 do CDC e inciso III do artigo 36 da Lei 12.529/2011.
- Dificultar o acesso a formas e condições
alternativas de compra: inciso I do artigo 39 da mesma Lei.
- Monopolizar a oferta do ingresso por meio
eletrônico: inciso IV do artigo 6 do CDC e incisos II e IV do artigo 36 da Lei
12.529/2011.
- Condicionar a venda do ingresso ao suposto
serviço taxado: inciso XVIII desse artigo e o inciso I do artigo 39 do CDC.
Mas o consumidor lesado tem poucas opções para
defender-se. Precisa primeiro vencer a resistência dos Procons e das varas
especiais e depois a dos defensores públicos. A melhor chance da vítima
(especialmente se mora longe das sedes das empresas produtoras) é a devolução
da taxa na audiência conciliatória, pois o transporte dos prepostos e os
honorários advocatícios são mais onerosos que um acordo imediato.
Os empresários já aprenderam, contudo, a não temer
o resultado de um julgamento. Acompanhando a lacuna jurisprudencial vigente, os
magistrados têm o hábito de negar provimento às reclamações. Na maioria das
vezes, argumentam que a ciência prévia da taxa equivale à sua aceitação pelo
comprador. Mesmo que seja verdade, isso não torna a prática legítima. A anuência
das partes não autoriza a venda casada, por exemplo.
Uma pesquisa simples na internet revela que os
Ministérios Públicos de Pernambuco e de São Paulo e os Tribunais de Justiça do
Distrito Federal, de São Paulo e do Rio Grande do Sul, além de incontáveis
profissionais do Direito, já se posicionaram contrários à taxa. Mas são
iniciativas isoladas, fadadas a caducar nas pilhas das cortes superiores,
enquanto um restrito cartel de corporações enriquece de maneira irregular.
Torna-se imprescindível, portanto, que a OAB
assuma posição incontroversa acerca do tema e que as Promotorias de Defesa do
Consumidor realizem a contestação unificada e sistemática da “taxa de
conveniência”. O Judiciário não pode mais ser omisso diante desse abuso
cotidiano que onera indevidamente o acesso a bens culturais, educativos e
esportivos, como se fossem luxos supérfluos.
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