terça-feira, 3 de dezembro de 2024

A derrota do “centrinho”



A partidarização superficial dos resultados municipais distorce a análise das tendências ideológicas manifestas pelos eleitores. As forças envolvidas sobressaem nos discursos das campanhas, não nos lugares que as legendas ocupam num espectro político ideal.

É impossível dizer que determinado campo ganhou ou perdeu onde não estava de fato concorrendo. Pouco importa a identidade programática original do candidato, se ele a nega ou disfarça para seduzir os imensos contingentes apartidários da sociedade.

Pois quantas candidaturas da órbita petista realmente exibiram opiniões e plataformas de esquerda? O que havia de “centro” nas propostas de PSD, União, PP e MDB? São essas questões que caracterizam, a partir dos resultados, os vieses políticos dos eleitores.

Não é fácil respondê-las sem cairmos nos labirintos de especificidades locais ou no atoleiro conceitual (“defina esquerda”). Mas quem acompanha o noticiário político e observou algumas disputas relevantes consegue ensaiar generalizações razoáveis.

De um lado, notamos uma predominância de posturas típicas de centro nos quadros da esquerda partidária. Sintoma forte, aguçado pelas cautelas usuais de campanha, foi sua posição evasiva e condescendente nos ubíquos debates sobre os tais “costumes”.

Do outro lado, e seguindo as mesmas referências, o uso agressivo dessas pautas mostra como o apelido centrista distorce a verdadeira natureza do “direitão” fisiológico. Só normalizando o fascismo alguém consegue associar esse grupo à ideia de meio-termo.

Em suma, a maioria dos eleitores rejeitou o centro e aderiu a várias modalidades de direita. Salvo raras exceções, sequer teve a alternativa de descartar uma esquerda que se afirmasse como tal. Diante dos novos conciliadores, preferiu antigos radicais.

Talvez a aversão à esquerda antecedesse sua metamorfose centrista. Mas essa mudança também pode ter agravado o prejuízo, o que dá quase na mesma. O fato é que o retoque na imagem dos candidatos foi incapaz de alterar as predisposições antagônicas.

A estratégia de afagar o conservadorismo dominante seria genial se levasse a vitórias dignas do sacrifício. Por respeito a esse espírito pragmático, porém, chegou a hora de abandoná-la. Deu ruim. Teimar no “projeto centrinho” é autossabotagem negacionista.

O fetiche apaziguador minou a competitividade eleitoral da esquerda partidária. Reativa e camaleônica, ela assimilou as idiossincrasias do eleitorado, em vez de se esforçar para mudá-las. Confundiu “diálogo” com a legitimação de discursos que a inviabilizam.

Os “costumes”, por exemplo, fornecem ao bolsonarismo e à direita ortodoxa o mote comum da demonização das simbologias tradicionais de esquerda. Apoiam o imaginário obscurantista e, não por acaso, alimentam a pregação religiosa ultraconservadora.

Esse repertório mostra não apenas que a polarização segue a pleno vapor, mas também que ela se expandiu socialmente. A novidade é que um dos polos deixou de combater o outro. Adivinhe qual dos dois elegeu a maior quantidade de prefeitos no país.

Um comentário:

Anônimo disse...

Análise perfeita da nossa política atual !!!
Parabéns