domingo, 24 de setembro de 2023

É tarde para reclamar de Zanin



O voto do ministro Cristiano Zanin contrário à descriminalização da posse de maconha exibiu o prejuízo de sua indicação ao STF. Lula errou. Mas parte dessa culpa também precisa ser dividida com a militância progressista, incluindo os críticos da escolha.

A manifestação de Zanin incomodou sobretudo pela baixa qualidade técnica. Repetindo lugares-comuns do arcaísmo proibicionista, ignorou décadas de estudos sobre o tema. Afastou-se das tendências de setores esclarecidos da própria direita.

Não há justificativa legal ou científica em penalizar a “posse para uso” de qualquer substância, principalmente da maconha. A inconstitucionalidade da legislação atual só não é mais evidente do que seus malefícios sociais, educativos e humanitários.

Trata-se de matéria objetiva, abordada em vasto repertório acadêmico. O proibicionismo aciona “costumes” e palpites contra argumentos racionais, estatísticos, verificáveis. Admite o óbvio, por decoro, mas recusa os desdobramentos lógicos de sua admissão.

Essa atitude não é conservadora. É negacionista. Não faz sentido naturalizá-la depois de combatermos suas versões pandêmicas e eleitorais. A questão vai além dos projetos de Lula, dos demais votos de Zanin e até da importância da droga para os debates do país.

Ocorre que, salvo exceções isoladas, o PT esnobou a legalização por muito tempo. Adotou-a, no embalo do STF, para amenizar o constrangimento com Zanin e dividir os louros da provável vitória da tese. O silêncio de Lula a respeito é, digamos, eloquente.

Outros setores progressistas também despertaram atrasados. Alguns dos mais furiosos críticos de Zanin apoiaram Marina Silva quando ela prometeu um absurdo plebiscito sobre a maconha e Ciro Gomes quando ele defendeu a penalização do usuário.

As militâncias de Lula, Marina e Ciro sempre conviveram pacificamente com discursos “cuidadosos” similares ao de Zanin. Os bate-bocas digitais estão cheios de antigos lustradores de idiossincrasias fazendo-se perplexos com as esquisitices alheias.

Mais alinhado a lideranças supostamente modernas do que à maioria do vetusto STF, Zanin personifica uma séria defasagem programática da esquerda institucional. Só que também exibe o fracasso (ou o desinteresse) de suas bases sociais em atualizá-la.

A inevitável judicialização de certos temas não substitui a luta política. Se o governismo participasse do consenso civilizatório do STF, teria uma resposta orgânica e imediata contra os ataques de senadores e prefeitos à descriminalização iniciada no tribunal.

Essas ameaças retrógradas seriam úteis para provocar o esboço de uma agenda mínima comum, representativa e suprapartidária, que definisse o básico do básico da ética progressista. A dificuldade de realizar algo tão simples é motivo de profunda reflexão.

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