segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Continua mais difícil do que parece


Publicado na página do Amálgama

A campanha de Dilma Rousseff conferiu excessiva importância à popularidade do presidente Lula, à vantagem da propaganda gratuita e à capacidade da blogosfera de conter a sanha dos adversários. Subestimou a força dos instrumentos tradicionais de persuasão política (a parcialidade da mídia corporativa, o engajamento de lideranças religiosas, a disseminação de boatos, o clientelismo regional), que atingem um imenso público alheio à internet.

Também cometeu o equívoco de partidarizar a disputa entre os institutos de pesquisas, caindo na armadilha de apegar-se aos levantamentos alvissareiros como se fossem peças de propaganda. A militância criou enorme expectativa de vitória, que se alastrou para o restante do eleitorado. Em alguns meses, o segundo turno presidencial deixou de parecer previsível para transformar-se num verdadeiro triunfo oposicionista.

Menosprezar o front paulista foi um erro estratégico indesculpável. Há muito sabíamos que o fortalecimento de Aloizio Mercadante poderia levar ao desgaste de José Serra no pleito nacional. A campanha de Mercadante começou isolada, amadorística, materialmente pobre. Quando engrenou, já havia desperdiçado um tempo valioso. O apoio de Geraldo Alckmin e Aécio Neves nos dois maiores colégios eleitorais do país permitirá a Serra atuar livremente nos redutos dilmistas.

Marina Silva cumpriu o papel que lhe coube desde o início: o de anti-Dilma. Aglutinou os votos indecisos ou descontentes, criou canais de fragilização da petista, reduziu a polarização que o PSDB temia. A “vitória” de Marina presenteia Serra com vinte milhões de potenciais eleitores, interessados muito mais na mudança do que na preservação do cenário político. É um eleitorado permeável à influência dos grandes veículos jornalísticos, e identificado social, cultural, econômica e geograficamente com as plataformas do tucano.

Serra também será favorecido com a animosidade da disputa pelos votos de Marina. Os eleitores dela já recebem ataques da militância petista e tendem a responder com um oposicionismo agressivo, moralmente determinado, que contagiará largas esferas da juventude urbana. As sombras espúrias do DEM e do quercismo serão momentaneamente afastadas para dar voz a formadores de opinião e lideranças políticas identificados com esse conservadorismo de cores “modernas”. A deputada que anda de bicicleta, o defensor dos cachorrinhos, o doutor recém-formado e artistas hipersensíveis encarnarão as novas Reginas Duartes amedrontadas.

E Dilma terá de sofrer quieta. A grande imprensa, convenientemente protegida pelo papel de vítima, acirrará o civismo de factóides. Qualquer reação à inevitável onda de ataques midiáticos alimentará o repertório truculento criado para a petista. Os aliados vitoriosos, satisfeitos com o generoso quinhão eleitoral recebido pelo apoio de Lula, hesitarão até o último instante em defendê-la.

O cenário apresentado é excessivamente pessimista, mas antecipa alguns dos obstáculos que a coordenação da campanha petista precisará contornar se não quiser que o segundo turno vire uma sangrenta batalha de resultado incerto. Àqueles que evitam as atribulações da realidade incômoda restará depois apenas lamentá-la.

6 comentários:

Galerius disse...

Serra tem os tubarões do dinheiro financiando sua campanha, e o partido petista desprezou e subestimou o poder do dinheiro, mas eu acho que ela ganha, graças a popularidade de Lula, mas com uma margem bem apertada suficiente para dar um susto na galera.

André Falcão de Melo disse...

"E Dilma terá de sofrer quieta. (...) Qualquer reação à inevitável onda de ataques midiáticos alimentará o repertório truculento criado para a petista."

Será, Guilherme? Embora compreenda a tese construída e considere razoável a consequência que você "pinta" a eventual reação da campanha, penso que a inércia poderá ser ainda pior. Afinal, foi exatamente essa a tônica da campanha de Dilma no 1º turno. Por outro lado, o sentimento de reação parece tomar corpo em cada eleitor. Hummm... sei não... Mas me parece inevitável que assim se dará! Abraço!

Unknown disse...

Galerius, também acho. Mas poderia ser um tantinho mais fácil, né não?

André, esse "terá" é provocativo. Da mesma forma, o pessimismo do texto visa arrancar uma reação da militância. Dilma tem reagido bem às baixezas de Serra; mas reagir à mídia é diferente, pq já foi criado um ambiente de censura ao redor dela. É complicado, mas, como vc diz, a inércia poderia ser fatal. As pesquisas qualitativas existem para isso.

Abraços do
Guilherme

Tiago Aguiar disse...

Caro Guilherme.

Infelizmente, faltou entendimento por parte da cúpula do PT sobre a natureza humana. Não falo que o brasileiro seja ignorante, desinformado e sem memória. Os brasileiros não tem culpa por serem humanos.

Nem mesmo o recall de 1989, quando uma ex-namorada aparece na TV acusando o Lula de pedir que ela abortasse é possível, já se passaram trinta anos, não é necessário ter criatividade na difamação.

Em minha experiência, a eleição é incerta em absoluto concreto. Mas tende ao lado antinacional e antitrabalhista ter a vitória.

Assim afirmo, falando baixinho para ninguém ouvir, pois como morador de um estado nordestino, aonde os mais pobres foram beneficiados, vejo estes mais humildes declarando votar em Serra, e não numa criminosa, sapatão, terrorista e abortista.

O debate na band ajudou a tirar o desanimo da militância,mas ainda é insuficiente. É um pesadelo.

Victor Félix disse...

Raríssimos foram os exemplos de viradas em segundo turno.
Conheço algumas pessoas que votaram na Marina no primeiro turno. A maioria não via força na imagem da Dilma (ou desconfiava dela), outros já votavam na Marina há muito tempo, são pessoas esclarecidas que viam nela uma "face verde" e, principalmente, um "modelo alternativo". Porém, fugiam do Serra e do PSDB como o diabo foge da cruz. "Votei Marina no primeiro, mas Deus me livre Serra presidente" é o tom dessa eleição.

Victor disse...

Bom dia Guilherme,

Comentei ontem aqui no seu blog, nesse mesmo post. Venho acompanhando parte da turminha do blog sujo e me interessado bastante. Recebi hoje (13) um e-mail ABSURDO sobre como a velha mídia está sendo "calada" pelo governo. Não sei de quem partiu essa iniciativa, mas certamente a pessoa quer distorcer a verdade. Eu mesmo, leigo, já percebi vários furos na mensagem, mas não tenho expressão nenhuma pra gritar isso pro mundo. Ao final, a mensagem se propõe a ser a maior corrente anti-governo da História, é assustador. Eu acho, que destrinchar esse e-mail com respostas dá um belo post. Se você não se interessar, pelo menos poderia repassar para sua rede? Talvez alguém se interesse, espero...Infelizmente não consegui achar e-mails de contato de nenhum de vocês. Se você quiser pelo menos ler o e-mail me contacte: ( victorstefanelli@hotmail.com ) que eu te envio esse e-mail absurdo.
Parabéns pelo trabalho, obrigado pela atenção e tenha um bom dia.
Victor Félix