terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Onde está a crise, afinal?
















Quem teve o ambíguo prazer de passar pelos centros de compra às vésperas do Natal deparou com um movimento que beirava o intransitável. Não importa a natureza da oferta ou o poder aquisitivo do público: foi impossível imaginar mais carros nos estacionamentos abarrotados, mais gente nas ruas, nos corredores e nos balcões.

Eis, porém, que a imprensa corporativa aparece com balanços pessimistas das vendas, contrariando a mais rudimentar evidência empírica. Surpreso, já imaginando que aquelas multidões estavam apenas comprando sorvete ou passeando, o curioso lê as matérias com um pouco mais de atenção. E assim descobre que os levantamentos são falhos e parciais, baseados em recortes selecionados para criar a manchete negativa.

Não se trata de louvar o consumismo desenfreado, nem de ignorar as conseqüências do endividamento que muitas vezes o acompanha. Mas, se essas “reportagens” querem fazer das compras natalinas um termômetro da economia nacional, o resultado deveria ser otimista. Especialmente se levarmos em conta o desemprego que derrubou os mesmos índices em países europeus, por exemplo.

Tampouco devemos aceitar que tudo não passa de simples erro de apuração, licença subjetivista ou reprodução direta de fontes equivocadas. É mentira mesmo. Engendrada para satisfazer as previsões dos catastrofistas geniais que passaram o ano politizando o noticiário econômico dos grandes veículos.

Há, sim, uma crise de proporções inéditas. E sua principal vítima é o jornalismo brasileiro.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Barriga olímpica



















A campanha vitoriosa da seleção brasileira no mundial de handebol feminino foi solenemente ignorada pela mídia televisiva. Ao menos dois canais da TV aberta (Globo e Bandeirantes) têm espaço regular na grade para esse tipo de evento. SporTV, ESPN e Band Sports, entre os mais conhecidos das operadoras pagas, possuem programação inteiramente dedicada ao tema. Ninguém transmitiu um minuto sequer do torneio.

Trata-se de uma barriga histórica, tão memorável quanto o próprio titulo das moças. Assunto para debates em cursos de jornalismo e marketing esportivo, mas principalmente para uma boa explicação das empresas omissas diante de seu público fiel. Faltou dinheiro? Investidores? Vontade? Esperteza?

O caso é muito mais grave do que parece. Primeiro porque envolve concessões públicas que deveriam priorizar o interesse coletivo e a relevância do seu conteúdo. Segundo porque insinua o rompimento do contrato de prestação de serviços no qual o cliente paga caro para receber produtos de qualidade (e por “qualidade” podemos entender torneios mundiais de modalidades olímpicas com participação nacional). E terceiro, mas não menos importante, porque escancara a hipocrisia mercantilista do apoio ao esporte que a mídia corporativa se orgulha de fornecer.

Um pouco desse mistério é esclarecido quando lembramos que o suporte financeiro à seleção campeã parte de órgãos do governo federal. Detalhe relevante, mas esquecido pela imprensa especializada, talvez porque esta seja contrária aos investimentos públicos no esporte. Ou retornaremos, mais uma vez, à velha questão das prioridades do país?

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O que há por trás da batalha do IPTU

 

Existem aspectos locais nos ataques ao reajuste do IPTU paulistano. As melhorias iniciadas por Fernando Haddad no transporte público trazem o fantasma das medidas de cunho social com vasto apelo popular que marcaram a continuidade dos governos Lula e Dilma. A temida hipótese de uma bem-sucedida administração petista começou a soar plausível às coligações conservadoras da capital que arrasaram a cidade por quase uma década, ganhando inclusive ares mafiosos.

Mas esses fatores não explicam nem a metade do imbróglio. Pois ele se insere num contexto mais amplo, o da disputa estadual, onde PSDB e asseclas estão dispostos a investir todas as suas munições. Continuar vencendo no estado de São Paulo representa uma questão de sobrevivência para as lideranças tucanas locais, talvez até mesmo para o partido em nível nacional.

A participação de Paulo Skaf tem pouco a ver com suas frágeis e duvidosas pretensões na campanha de 2014. O empresário serve há tempos como um coadjuvante útil para a candidatura situacionista, essa figura muito comum nas disputas brasileiras, que assume os ataques seletivos aos adversários, permitindo que o aliado com mais chances desenvolva uma agenda propositiva.

E Geraldo Alckmin está mesmo precisando, já que é na área dos transportes (habilmente priorizada por Haddad) que borbulha o escândalo do Propinoduto, uma bomba de tamanho potencial que até a mídia demotucana foi obrigada a reconhecer sua existência. Adicionando-se o colapso da rede metroferroviária, os pedágios astronômicos, as trapalhadas das concessionárias e as paralisias intermináveis no litoral, resta material para mil anos de propaganda eleitoral.

Ou Haddad se prepara rápido para defender o front paulistano, ou será trucidado pela fúria de concorrentes muito poderosos e desesperados, que não brincam em serviço.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

“Jovem e bela”






















Tema recorrente na filmografia francesa. Essa preocupação meio obsessiva da cultura local, aliás, ajuda a entender certas polêmicas que agitaram o país nos últimos meses.

François Ozon é narrador eficiente. Desenvolve um realismo cheio de pequenas nuances de estranhamento, sempre com sugestões eróticas e um pendor para a iconoclastia.

Aqui essas qualidades surgem amenizadas, embora o conjunto não seja ruim. O clima de sensualidade (especialmente no interior da família) é construído com exata sutileza, muito por causa da beleza desconcertante de Marine Vacth.

Mas tudo soa buñueliano demais, embora sem a contundência do mestre catalão. Fosse menos comportado, talvez igualasse os melhores trabalhos de Ozon.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Penas


















Os argumentos da crônica esportiva para criticar a punição infringida à Portuguesa chegaram a extremos divertidos, contrários a doutrinas jurídicas rudimentares. Coisa do tipo “sem dolo não há crime”, e daí para baixo.

Essas bobagens irresponsáveis aparecem de vez em quando. Mais interessantes do que os palpites leigos, porém, são os princípios éticos nos quais eles se baseiam. Basta adaptar o caso futebolístico ao do chamado “mensalão” para notarmos o tamanho do problema.

Se não houve favorecimento pessoal, nem má-fé comprovada, os réus são inocentes. O princípio do “domínio do fato” é relativo, e não justifica penas exageradas. E os resultados no campo (digo, nas urnas) deveriam prevalecer sobre a dureza da lei. Cuja aplicação, aliás, não pode ignorar as muitas jurisprudências que favoreceram outros suspeitos em circunstâncias parecidas.

Quantos analistas da grande mídia usariam com os petistas condenados os mesmos raciocínios que dedicam ao rebaixamento da Portuguesa? Como debater a moralização do esporte a partir de valores que não servem para as outras esferas da vida pública?

Não se trata de endossar a virada de mesa que beneficiou o Fluminense. Está bastante claro que ela nasceu de uma esperta violação de minúcias regulamentares que não seriam ignoradas para favorecer um time qualquer do interior. Acontece que neste caso a imprensa das capitais não daria a menor bola. E posaria de legalista, cheia de respeito pelos nobres magistrados, como faz diante do STF.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Lenha no forno
















Começou o preparo da gigantesca pizza midiática encomendada pelo PSDB paulista. A entrega foi agendada para o início do ano, a tempo de evitar que o escândalo do Propinoduto contamine as eleições de 2014.

Os ingredientes são notórios: dossiês fajutos que vitimizam os bandidos, factóides escandalosos para incriminar petistas e extensas pressões sobre o Judiciário.

Na primeira camada espalharam suspeitas acerca da investigação do Cade, buscando repetir o sucesso obtido em outros episódios obscuros (José Serra e as Sanguessugas, por exemplo), que deixaram de existir logo que vieram à tona.

No segundo estágio, transformaram a gangue do ISS em São Paulo numa fumaça radioativa que envolve a gestão Fernando Haddad. A safadeza veio da administração anterior, que teve participações de tucanos importantes, mas o tratamento conferido ao assunto é manipulado para desgastar a imagem do governo atual e generalizar a sensação de impunidade.

O tempero final será polvilhado nas próximas semanas. Tem o aroma de uma campanha para limpar a reputação do Ministério Público paulista e particularmente do procurador Rodrigo de Grandis, aquele que engavetou. Mas também pode sair de uma dessas difamações que a Veja publica impunemente e que os veículos reverberam até colar. Ou pode surgir numa descoberta bombástica das bandas plumosas da Polícia Federal.

Todos esses elementos reunidos formam uma bela refeição. Os otimistas fariam bem aos próprios estômagos se ficassem preparados para um prato bastante indigesto.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Esperteza Futebol Clube






















De repente a imprensa esportiva das capitais virou pontepretana desde criancinha.

Ora, se a Macaca “é o Brasil na Sul-Americana”, como afirmam os hipócritas, que tal defender o fim dos privilégios financeiros que manipulam o futebol nacional? Ou discutir a sério as diferenças entre o viciado sistema de pontos corridos, no qual a Ponte é rebaixada, e o de mata-matas, onde ela chega à final?

Não, não, veja bem...

A repentina simpatia pela Macaca nasce de puro oportunismo publicitário. E às vezes, sintomaticamente, chega embalada num despeito meio preconceituoso, engasgado com o fracasso de muitas previsões bairristas que jamais deram o menor valor à Veterana campineira. No fundo, bem lá no fundo, a turma detesta o sucesso internacional da alvinegra.

Semelhante espírito motiva o apoio conferido aos atletas que formam o tal Bom Senso F. C. Que, aliás, sabem utilizar o discurso mais digestivo para as redações. Não mexem com o horário dos jogos, que terminam de madrugada por causa da TV, embora afirmem pensar no torcedor. Não pedem a punição dos clubes devedores de tributos, apesar da retórica moralista. E, acima de tudo, falam em nome da categoria mas esquecem os nove décimos dela que sofrem nos rincões, desbastando-se em clubes que os times da Globo exploram e a mídia “sensata” despreza.

Pois é; como eles mesmos dizem, o país tem outras prioridades.

sábado, 7 de dezembro de 2013

“Heroin”



Velvet Undergound & Nico. Lou Reed (1942-2013) na guitarra e no vocal. Trechos de “A Symphony of Sound” (1966), de Andy Warhol.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

“Blue Jasmine”






















Um Woody Allen de inusual amargura, que rompe a leveza de suas incursões “turísticas” recentes. Talvez isso decepcione algumas expectativas, mais por culpa delas mesmas do que pelos inegáveis méritos da produção. E a reflexão, aqui, sobre a falsidade e o (auto) engano, pode soar bastante cruel.

É verdade que a releitura de “Um Bonde Chamado Desejo”, peça de Tennessee Williams adaptada várias vezes ao cinema, teria na paródia ou na subversão do enredo uma possibilidade eficaz para atenuar as inevitáveis comparações, principalmente com o filme clássico de Elia Kazan. Se Allen concedesse ao entretenimento fácil, porém, o resultado não teria o mesmo efeito perturbador.

Mas nem a mão certeira do mestre conseguiria brilhar sem o talento superior de duas atrizes maravilhosas como Sally Hawkins e Cate Blanchett.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Nocaute















Fala-se muito na ausência de opositores competitivos para enfrentar Dilma Rousseff. Inventaram até que a eventual reeleição dela ocorreria graças a certo “WO”, sigla esportiva para a falta de adversários.

É um diagnóstico típico de cegueira militante. Em vez de ligar os pontos na reta óbvia, associando a crescente popularidade do governo aos índices sociais positivos, os analistas preferem garatujar um rocambole de explicações secundárias.

Tudo para não admitir duas evidências: que as intenções de voto refletem os méritos do projeto petista e que estes ficam ainda mais claros quando se compara a atual administração com as anteriores. Os tucanos odeiam comparações, mas elas são inevitáveis no julgamento do eleitor.

É tolice imaginar que faltaria apenas um adversário articulado, com plataforma coesa, para vencer a presidenta. O que não falta no cenário político brasileiro são personagens midiáticos, de várias estirpes e apelos, inventados para buscar brechas no favoritismo da mandatária.

Mas talvez as grandes lacunas ressentidas sejam as da competência administrativa e da credibilidade. Nesse caso, não há grande coisa que a oposição possa mesmo fazer.