quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Triste realidade


















Autoridades suíças decidiram arquivar parte das investigações sobre o propinoduto do PSDB paulista. Motivo: as diligências solicitadas ao Judiciário local não foram atendidas.

Segundo o gabinete do procurador Rodrigo de Grandis, houve uma “falha administrativa”. A papelada sumiu por mais de dois anos e só foi descoberta agora, quando é tarde demais. Tudo isso teve origem fortuita e casual, e o favorecimento dos burocratas nomeados por Mário Covas e Geraldo Alckmin limita-se a um estupendo golpe de sorte.

De Grandis, representante das novas gerações de magistrados, é considerado uma esperança de renovação no Ministério Público. Há quem aplauda a promessa argumentando que os vinte anos de hegemonia demotucana no Estado seriam impossíveis sem algum consentimento dos responsáveis por sua fiscalização.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Show me the money
















É exagero transformar a polêmica das biografias num debate sobre a liberdade de expressão e a privacidade. Esses temas sempre foram e continuarão relevantes, mas possuem uma complexidade e uma amplitude que não promete respostas incontroversas. Aplainadas certas asperezas autoritárias e certos exageros sensacionalistas, cedo ou tarde se chegará à conclusão de que a via possível para resolver as animosidades passa pela maneira de regulamentar a exploração econômica da vida privada.

Não deveria ser tão difícil para os lados antagônicos conciliarem seus interesses mercantis. Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso são exemplos positivos, talvez pioneiros, de artistas que souberam administrar legados e imagens, impedindo apropriações oportunistas. E os profissionais competentes que sobrevivem a soldo da mídia corporativa participam da mesma estrutura mercadológica que opera a serviço dos artistas, comercializando produtos intelectuais de naturezas muito similares.

As mudanças no Código Civil incomodam os famosos também porque ameaçam anular as ambigüidades que ainda servem de pretexto moralmente aceitável para se vetar uma obra cujos produtores não aceitaram repartir dividendos. Conceitos vagos como “a honra, a boa fama ou a respeitabilidade” garantem que um juiz será sensibilizado pela ameaça dos segredos de alcova que toda biografia previsivelmente conterá.

Mas não há solução doutrinária que satisfaça a todos. Prevalecendo a proteção da intimidade, o país continuará impedido de construir sua história recente – inclusive nas áreas política e institucional, pois a noção do que é “público” varia de acordo com o que se pretende esconder ou revelar. Prevalecendo a livre expressão, o refreamento de abusos continuará a cargo de um Judiciário tendencioso e incompetente.

É inútil acirrar a legislação no que tange aos danos morais e afins. Isso provocaria uma nova insegurança jurídica, pois a brandura decepcionante do recém-aprovado projeto do direito de resposta parece irreversível. Além disso, mecanismos legais de aspirações fascistóides repetiriam certas canetadas que tentam radicalizar o alcance punitivo de normas que ninguém obedece: levariam à radicalização da própria impunidade.

Bastaria que o Judiciário (com o apoio do omisso STF) passasse apenas a cumprir as regras existentes de proteção ao logro malicioso, metendo as multas exemplares que as Vejas da vida merecem há tempos. Se for necessário mudar a lei, uma contrapartida financeira, substituindo as abstrações vigentes, daria solidez à atividade criativa e de certa forma compensaria o inevitável devassamento da privacidade.

Mas vai demorar muito até que os grandes veículos e as editoras adotem a bandeira da efetiva punição da mentira.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Agora ficou jóia













A Folha de São Paulo acaba de incluir Reinaldo Azevedo e Demétrio Magnoli em seu rol de colaboradores fixos. Tudo em nome do “pluralismo”, já que, como sabemos, o jornal é dominado por autores progressistas e radicais de esquerda.

Cáspite. Não havia gente mais reacionária e estreita disponível no mercado? Que tal Jair Bolsonaro? Será que ele não tem coisas muito profundas a expelir? E Diogo Mainardi, refugiado na Itália?

Depois da lamentável decadência no final do segundo governo Lula, a Folha parecia acomodada numa espécie de conservadorismo orgulhoso com espasmos sazonais de equilíbrio. A sensação era de uma busca lenta e gradual pela credibilidade perdida. Mas não adiantou ser otimista.

Pulando uma coluna aqui e uma página acolá, outra coluna cá e outra página adiante, logo chegaremos ao ponto de apenas constatar a existência da Folha, descartando-a em seguida. Leitura dinâmica é isso aí.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Petronada
















Como acontece com sintomática freqüência, e justo nos episódios mais complexos, o leilão do Campo de Libra tem recebido um tratamento rasteiro da mídia corporativa. As análises dos “especialistas” se dividem basicamente em três linhagens simplificadoras: o nacionalismo radical, o liberalismo ressentido e o catastrofismo tecnocrático.

Essas vozes se assemelham na reação estranhamente atrasada e no destaque recebido junto aos veículos, proporcional à intensidade das críticas ao governo. Só importa convencer o público de que tudo foi mal feito, minimizando os ganhos sociais das concessões e espalhando a absurda falácia de que elas repetiram o modelo privatista demotucano.

Os nacionalistas se esquivam de responder sobre a capacidade do país explorar sozinho o Pré-Sal e o papel da Petrobras no consórcio vencedor. Os liberais, colonizados e provincianos, choram a ausência de empresas estadunidenses e o protagonismo da estatal que já defenderam vender a preço de banana. Os apocalípticos, oportunistas por natureza, oscilam entre a condenação do modelo energético e um ceticismo quanto à eficácia do próprio Poder Público.

O espetáculo de incoerências chega a níveis divertidos. O leilão fracassou porque não fracassou. Perdemos porque ganhamos. E por aí vai. Notem que, tomadas nas suas essências argumentativas, todas essas vertentes se anulam, gerando uma espécie de não-evento, um vácuo de significados racionais envolto por mau agouro.

Para construir uma opinião a respeito dos leilões, talvez seja melhor formulá-la antes de recorrer à imprensa.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

“Gravidade”


















Espetáculo visual dedicado à representação da experiência na órbita terrestre. O que tem de minimalista na parte dramática é suplantado pelos efeitos visuais impressionantes. Nesse aspecto, a prodigiosa fotografia de Emmanuel Lubezki (de “A Árvore da Vida”) não pode ser menosprezada. A relativa adequação ao efeito 3D quase suplanta os recursos mambembes das salas brasileiras.

O diretor Alfonso Cuarón não esconde seu fascínio pela ficção científica. E tampouco faz muita questão de disfarçar as referências aos clássicos do gênero, “2001” e “Solaris” encabeçando a lista. Mas também há um tanto de “Alien” (o nome e os trajes sensuais da protagonista, por exemplo). Cynara Menezes aponta metáforas visuais interessantes, que salvam o filme do puro esteticismo.

É divertido ver o letreiro de abertura, em português, “avisando” sobre a sonoplastia espacial. Como se pedisse licença para um toque realista que raramente aparece nas obras similares. Mesmo assim, contudo, às vezes ocorrem desvios narrativos para o artificialismo, conduzidos pela trilha sonora incidental. O resultado é interessante, mas fica a curiosidade sobre um registro radicalmente naturalista do tema.

Uma das melhores produções hollywoodianas desse ano fraquinho.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Polícia nos campi

 












Existem três linhas argumentativas contrárias à presença policial nas universidades. Uma quer evitar a repressão de movimentos estudantis e sindicais. Outra prevê que o policiamento se restringiria a aprisionar fumantes de maconha, bebedores de cerveja e ociosos pacíficos em geral. A última considera que a segurança privada já recebe (muito) para fornecer a devida e necessária proteção.

A primeira idéia não me parece muito sólida. Os cossacos podem ser chamados a qualquer momento, havendo ou não motivo. Aliás, a rigor, eles sequer precisam de autorização prévia para circular em áreas ditas “públicas”.

Já a segunda é plausível. As estatísticas demonstram que a maioria dos crimes violentos cometidos nos campi ocorre durante as noites e madrugadas. A presença policial diurna realmente serviria quase apenas para coibir o fumacê inofensivo.

O terceiro questionamento é irrefutável, embora tenha suas armadilhas. Ninguém quer que os seguranças comecem a agir feitos mercenários, caçadores de pequenos delitos. E a prevenção eficaz dos verdadeiros crimes demandaria mais preparo e equipamentos, o que fortaleceria as empresas contratadas, exigindo um controle muito rigoroso da sociedade sobre o uso que fariam desse poder.

O governo Geraldo Alckmin precisa vedar o colapso da segurança no estado, fingindo que existe um clamor repressivo na comunidade acadêmica. Não existe. O que falta mesmo é bom senso e competência administrativa para lidar com a questão da criminalidade. Enquanto a gestão universitária continuar essa ilha de autoritarismo, contudo, as crises terão respostas de natureza equivalente.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Exija saber
















As propostas do movimento “Procure Saber” soariam razoáveis se ficassem restritas a uma porcentagem de remuneração para os biografados. Embora concorde com as reflexões de Luiz Fernando Vianna sobre o falso aspecto financeiro da polêmica, tendo a relativizar suas premissas. O usufruto comercial da imagem e da obra de uma pessoa, mesmo que o rendimento seja irrisório, não poderia ficar imune a contrapartidas justas.

Mas as boas intenções da plataforma desmoronam quando ela defende o veto a biografias não-autorizadas. Isso é contraditório com a liberdade de expressão. Se preciso da autorização de alguém para publicar um trabalho, como essa atividade pode ser considerada livre? E desde quando a divulgação do conhecimento precisa agradar a valores e conveniências individuais?

A idéia dos direitos limitados e relativos é deturpada, como sempre, para embasar os argumentos proibicionistas. Ela poderia igualmente servir para submeter a figura individualista da privacidade a uma cláusula constitucional que salvaguarda a essência do regime democrático, e tem, portanto, alcance coletivo e soberano. O mesmo acontece nos exemplos estrangeiros, que só servem quando convenientes às causas em disputa.

Essa maleabilidade no uso da esfera privada já anuncia, ela própria, riscos inaceitáveis. Não há denúncia, análise, testemunho ou citação que escape a critérios coringas de blindagem contra o interesse público. Levada a extremos, ela terminaria impedindo a prática do jornalismo; condicionada por eventualidades diversas, como ocorre hoje, afronta o princípio da isonomia.

Cabe ressaltar que inexiste qualquer respaldo legal à censura. Ela ocorre no Judiciário, por causa de leituras equivocadas de normas e doutrinas, num ambiente de insegurança jurídica provocado pela covardia do Supremo Tribunal Federal. O recurso às filigranas textuais que originam essa confusão e à retórica ambígua deixa o “Procure Saber” com um aspecto retrógrado e populista.

É delicado tomar posições numa querela que envolve talentos artísticos de variáveis grandezas, intermediários pedantes e corporações de discurso bondoso. Como lembrou Caetano Veloso, a mesma Folha de São Paulo que esmagou um blog que a ironizava agora aparece como defensora das publicações impedidas pela Justiça.

Mas precisamos refletir sobre o absurdo prejuízo cultural, denunciado com propriedade por Benjamin Moser, que impede o país de construir sua história. É esse direito que está em discussão.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Construindo Marina














A novela midiática em torno da tal Rede ajudou a popularizar a candidatura de Marina Silva com uma eficácia de fazer inveja a muitos publicitários espertos.

Talvez não houvesse mesmo outro interesse por trás da mal encenada esquizofrenia dos analistas, que ora condenavam o oportunismo dos novos partidos, ora lamentavam o rigor legal imposto à honrosa exceção “sustentável”. A própria tentativa de criação da legenda soa demasiado amadora e inocente para os personagens envolvidos.

A construção de Marina sobressaiu nos argumentos usados para incensá-la. Seu grupo obscuro, de plataforma desconhecida e métodos esquisitos, se transformou na esperança de renovação política nacional. Menos de 500 mil assinaturas, num total de 140 milhões de eleitores, ganharam dimensões messiânicas. Um distante segundo lugar (estimulado) nas pesquisas de opinião passou a representar uma força capaz de impedir a vitória petista no primeiro turno.

A astúcia da manobra é inegável. As maiores fragilidades eleitorais de Marina sempre foram o baixo índice de reconhecimento popular e o escasso tempo de propaganda a seu dispor. Fatais para qualquer pré-candidato sem grandes recursos financeiros, essas limitações sumiram durante a contínua exposição da ex-senadora, nos horários e espaços nobres dos grandes veículos de comunicação do país, em plena fase de alianças partidárias visando 2014.

Há poucas semanas, Marina Silva era uma figura política tristonha, ameaçada pela irrelevância, atolada num confuso esboço de partido que não conseguia sequer legalizar-se. Hoje ela ocupa o centro das atenções, esbanja triunfalismo e encabeça um projeto de respeitável estrutura administrativa. Missão cumprida.

sábado, 5 de outubro de 2013

“Chameleon”



Herbie Hancock com os Headhunters em 1974. Hancock nos teclados, Bennie Maupin no sax, Bill Summers na percussão, Paul Jackson no baixo, Mike Clark na bateria.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Fetiche antidemocrático

















A ocupação da USP enfim recoloca a onda de protestos no rumo das causas relevantes. A eleição direta para reitores e chefes de departamento é o mínimo rasteiro da cidadania e da justiça tributária. E se encaixa perfeitamente no espírito das reivindicações participativas da sociedade.

Isso explica o divertido surto de cautela que acometeu o Judiciário e o governo paulistas nos últimos dias. Que diferença para outros episódios recentes, de idêntico teor, nos quais a negociação foi solenemente descartada pelas autoridades...

Mas não há boas perspectivas para essa demanda. Ela envolve muito mais do que “apenas” a gestão universitária: mexe com intrincados esquemas de apadrinhamentos e benefícios cuja face mais palatável é o teatro das vaidades acadêmicas. E indispõe uma tribo muitíssimo influente nos meios decisórios da capital.

Pois que outra luta por representatividade seria classificada por um editorial da Folha de São Paulo como “fetiche democrático”? Um cinismo sabujo, que anuncia a inviabilidade efetiva da plataforma uspiana, e que logo justificará os golpes de sabre dos cossacos sobre os estudantes que há pouco eram tratados como a vanguarda revolucionária nacional.