quarta-feira, 28 de maio de 2014

Chantagens e chantagens

 

quem procure justificar a ocorrência de protestos de cunho social às vésperas da Copa do Mundo ou no seu transcurso. Não seria chantagem, mas senso de oportunidade.

Acho que esse raciocínio depende de algumas ponderações morais e práticas sobre a proporcionalidade dos esforços frente aos objetivos alcançados, os efeitos colaterais das decisões, o alicerce legal, a legitimidade política, etc. A adesão incondicional à idéia de que os fins justificam os meios produz muitas armadilhas para os incautos.

A paralisação dos motoristas de ônibus em São Paulo é exemplar. Se endossarmos o pragmatismo oportunista de qualquer manifestação, precisaremos aceitar também esse transtorno ilegal, provocado por facções rivais de sindicatos, com aparência de locaute (pressão empresarial para aumentar as tarifas) e suspeitas de simples bandidagem, que as autoridades policiais só toleram porque são usadas num jogo político-eleitoral.

Não bastam apenas estratégias eficazes: elas precisam ser reconhecidamente as mais adequadas (ou as únicas disponíveis) nas circunstâncias. Há muitas formas de pressionar os empresários sem causar prejuízos incalculáveis a milhões de cidadãos. Liberar catracas, por exemplo, ou impedir a entrada e a saída dos administradores nas sedes dos gabinetes e das companhias. Mas, claro, quando verdadeiramente atingidos, os patrões chamam a polícia e tudo acaba rapidinho.

A verdade incontornável que os apologistas da moda protestante ignoram é que existem limites éticos e legais para o exercício dos soberanos direitos à greve e à manifestação pública. Aplaudir uma dúzia de gatos pingados fechando a avenida Paulista por qualquer causa obscura serve como incentivo para a desmoralização das verdadeiras lutas sociais. Depois, quando populares começarem a sair no tapa com os grevistas, vão reclamar do “conservadorismo” do brasileiro.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

A tumba dos pedágios paulistas






















O pedido da CPI dos Pedágios esperou três anos na fila da Assembléia Legislativa de São Paulo. O governo Geraldo Alckmin e seus asseclas recorreram às mais ridículas manobras para postergar a votação. Agora passou.

Vai dar em nada? Provavelmente.

Primeiro porque o objetivo da comissão se restringe a “investigar se os valores das tarifas cobrados pelas concessionárias nas rodovias paulistas estão em consonância com os critérios definidos nos editais de licitação, propostas e contratos firmados e com a lei federal que rege as concessões de obras e serviços públicos”.

Ora, até eu, que sou bobo, redijo “editais, propostas e contratos” permitindo a cobrança de qualquer valor, por mais abusivo que seja. Houve real concorrência nos leilões? Os valores cobrados são justificáveis? As concessionárias têm participação nas empresas que lhes fornecem matérias-primas e serviços? Como eles são contratados? As verdadeiras perguntas sobre o tema escapam à abrangência um tanto simplória da CPI.

O segundo motivo para pessimismo advém da presença maciça de tucanos e aliados na composição da mesa. O presidente da comissão é, pasmem, Bruno Covas. Que só foi eleito ao cargo porque a maioria dos deputados pertence à base governista. Nessas condições é quase impossível se aprovar um relatório digno.

Terceiro: a CPI tende a se transformar numa espécie de segredo midiático. Ao contrário do que ocorre, por exemplo, com o factóide Pasadena, a imprensa corporativa não gastará o menor perdigoto para divulgar os trabalhos, principalmente ao longo da Copa do Mundo, que deverá interrompê-los. O recente esforço da Folha de São Paulo em caracterizar a administração Alckmin como vítima das concessionárias anuncia o viés futuro do noticiário. Na pior das hipóteses, tudo será culpa de Cláudio Lembo.

Um bom começo para averiguação, aliás, é essa jogada marqueteira do governo, “cobrando” valores pagos indevidamente aos cartéis da dinheirama. Vinte anos depois de iniciada a farra, sob longo e insistente clamor público, só agora Alckmin decidiu vestir a fantasia de justiceiro. Mas de onde o governo retirou a convicção de que existe algo errado nos contratos, se os trabalhos da CPI sequer foram iniciados? E por que não agiram antes?

Se os nobres deputados conseguirem responder a essas duas singelas perguntas, já não teremos o desperdício total de mais uma oportunidade para derrubar o esquema dos pedágios mais caros do país. E tem cara de ser a última.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

“Godzilla”


















Tudo é tão estapafúrdio que quase ignoramos a sensacional trilha sonora composta por Alexandre Desplat. Podemos fechar os olhos na sala.

Há os efeitos impressionantes e os... bem, os efeitos impressionantes. A presença nobre de Desplat reflete o surpreendente prestígio do jovem diretor britânico Gareth Edwards, que pôde reunir o ótimo fotógrafo Seamus McGarvey e um elenco secundário de grandes estrelas em papéis menores. Meio constrangedor ver a diva Juliette Binoche e Brian Cranston (de peruca?) expurgando lágrimas num filme de monstro radioativo.

Apenas o recurso técnico e a música tornam a produção mais interessante do que, por exemplo, “Alien vs Predador”. Neste pelo menos não há chororô familiar e apologia do exército estadunidense.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

O “Secão” de Alckmin é administrativo

















Os sociólogos Edson Aparecido da Silva e Ricardo Guterman publicaram um artigo na edição de março do Le Monde Diplomatique Brasil intitulado “A falta de água em São Paulo”. Eis um trecho:

“Os atuais problemas relacionados ao abastecimento de água da RMSP [Região Metropolitana de São Paulo] não se restringem à alta do consumo em razão das elevadas temperaturas e à falta de chuvas. Há graves problemas estruturais que não foram e não estão sendo enfrentados por omissão da Sabesp e do governo do estado”.

Os autores apontam principalmente para o desperdício contínuo de água na passagem entre os reservatórios da concessionária. Mais de trinta por cento do volume transportado é perdido por falta de equipamentos corretos. Outros motivos são o baixo índice de tratamento dos esgotos, “a carência de investimentos na busca de novas fontes de abastecimento e a ausência de planos de contingência para atendimento da demanda em situação de crise”.

Claro, se fosse uma empresa dirigida pelo governo federal a mídia corporativa não falaria de outra coisa.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

O discurso do medo


















A mídia tucana alimenta a ilusão de que o país vive uma crise econômica similar à da Europa. Distorce estatísticas e bases comparativas para incutir no público a certeza de que os índices sociais decaíram. Omite ações positivas do governo federal e lhe transfere equívocos de gestões regionais e até de empresas privadas, forjando uma imagem de incompetência administrativa em torno de Dilma Rousseff. Ainda incentiva os protestos de rua, quaisquer protestos, usando-os como evidências de uma instabilidade generalizada que teria transformado o Brasil no caos permanente.

E agora é o PT que explora o discurso do medo.

Não podemos pensar a nova propaganda televisiva do partido sem considerar esse ambiente de manipulação e hipocrisia. As avaliações críticas são razoáveis ao detectar no comercial certo excesso de amargura, o tom apelativo, a falta de propostas e de incentivo à participação da militância. Ora, é exatamente isso que a oposição vem fazendo há meses, naturalizando (fazendo parecer espontâneo) um clima de pessimismo que não tem nada a ver com fatos, raciocínios ou debates construtivos.

O filme criado pelo publicitário João Santana parece-me correto porque retira dos adversários a primazia sobre a estratégia negativa. Devolve a chantagem contra os chantagistas, trata como fantasmas aqueles que teimam em fabricar assombrações. Parte para cima. No jargão da luta, aproveita a desatenção do oponente, enfia-lhe um gancho, sai das cordas e recomeça o combate.

O contra-ataque veio em momento oportuno, lembrando a todos que o petismo guarda um bom repertório de imagens aterrorizantes, caso decidam levar a campanha nessa toada. Talvez a previsível repercussão do filme nas pesquisas aplaque os ânimos da disputa eleitoral, dando-lhe um caráter mais civilizado. Mas não podemos descartar a hipótese de essa alternativa ser repudiada pelas campanhas oposicionistas, acostumadas ao “quanto pior melhor”. Em ambas as situações, Santana precisará saber o momento certo para mudar de tática.

sábado, 17 de maio de 2014

sexta-feira, 16 de maio de 2014

“Eu, mamãe e os meninos”






















Escrito, dirigido e protagonizado (em dois papéis) por Guillaume Gallienne, ator de extensa carreira no cinema francês. Recebeu vários prêmios no último César, inclusive um merecidíssimo para interpretação.

Autobiográfico, o projeto carrega uma carga emotiva que a aparência cômica não consegue disfarçar. Por isso parece um tanto estranho, entre melancólico e divertido, o que lhe confere peso e interesse. No extremo satírico, há pelo menos uma seqüência (a dos consultórios de psicólogos) absolutamente hilariante. Em outros momentos o enredo mexe com escatologias e caricaturas, perdendo força.

De qualquer forma, o conjunto é bastante superior ao padrão das globochanchadas que enfartam o mercado. Possui uma estrutura inusual (“narrativa dentro da narrativa”) que remete à subjetividade e às limitações do verossímil. E faz rir mexendo com temas delicados e tratados usualmente em dramas catárticos.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

A culpa de São Pedro


















A imprensa paulista comemora a promessa de que não haverá racionamento de água até a eleição. Assim o governador Geraldo Alckmin escaparia de uma constrangedora repetição do apagão produzido pela genial governança do colega FHC.

O “secão” tucano é fruto de má gestão na Sabesp, gigantesco feudo de apaniguados políticos da direita local, máquina de fazer dinheiro que possui todas as condições técnicas e financeiras de minimizar os efeitos da escassez de água nos reservatórios. Isso fica óbvio sempre que um especialista minimamente idôneo se manifesta sobre a falta de políticas preventivas da empresa. Até o Ministério Público Estadual apontou erros na concessionária (e olha que para o MPE contrariar o governo é sinal de muita coisa errada).

Claro que a mídia corporativa faz de tudo para qualificar o problema como pura falta de chuva. Exatamente o oposto dos factóides alarmistas que inventa quando raios ou ventos (ou sabe-se lá que fatores menos publicáveis) interrompem a transmissão de energia a cargo do governo federal.

Mas nada disso chega a surpreender. A máfia do metrô é um problema de corrupção restrito a funcionários das empresas do cartel. A explosão da violência e os disparates policiais são causados pelo Ministério da Justiça. O sucateamento da educação estadual e a decadência da USP nasceram com o Enem. O colapso dos postos de saúde veio do programa Mais Médicos. Os pedágios são exorbitantes porque usamos carros demais.

Alckmin é um péssimo administrador por causa da umidade relativa do ar.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Marco zero























O Marco Regulatório das Comunicações ocupa espaço privilegiado nos debates da esquerda brasileira. Entre seus ativos defensores, além da blogosfera mobilizada, há o ex-ministro Franklin Martins (que tanta falta fez ao governo Dilma Rousseff) e várias entidades ligadas ao setor, reunidas numa Frente Parlamentar que aglutina os resultados das consultas públicas realizadas nos últimos anos. Alheio às pressões, contudo, o Planalto esquiva-se do projeto e não parece disposto a abraçá-lo no curto prazo. Menos ainda no contexto político-eleitoral de 2014.

Um dos grandes problemas originais da iniciativa foi agregar expressões infelizes como “controle social da mídia”, que apareceram com a mesma ambigüidade tanto nos elogios da militância progressista quanto nas objeções do conservadorismo organizado. Cada qual apresentou sua própria noção de “controle”, de “social” e de “mídia”, prejudicando um conceito que tem pouco ou nada a ver com essa terminologia.

Os adeptos da medida são unânimes quanto aos malefícios que a justificam. Mas apenas diagnosticá-los não basta: é necessário elaborar expedientes preventivos ou reparatórios que respeitem os princípios do Estado democrático de direito e ajudem a consolidar a miscelânea de normas existentes. Pois, ao contrário do que muitos pensam, a maioria dos gêneros e subgêneros de abusos identificados com o setor (difamação, calúnia, preconceito, desdém pela cultura regional, monopólio corporativo, predomínio do capital estrangeiro, manipulação eleitoral) encontra-se tipificada legalmente. Falta o Congresso regulamentar os tópicos e dar-lhes base jurídica incontroversa.

 Sempre que isso ocorre, porém, como no caso recente do direito de resposta, a campanha por um Marco Regulatório único e abrangente perde algo de sua força. Regras paliativas e jurisprudências questionáveis, geralmente improvisadas para saciar polêmicas circunstanciais, criam a falsa impressão de que as lacunas já foram corrigidas e empurram as soluções faltantes para o escrutínio implausível do STF. A questão das biografias não-autorizadas acaba de mergulhar nesse limbo.

Ao mesmo tempo, o vácuo de legitimidade criado pela omissão parlamentar gera incertezas sobre os organismos mais apropriados para a supervisão de atividades tão vastas e complexas. Há séria diferença entre nomear e eleger os fiscalizadores, entre selecioná-los na estrutura dos Poderes e em colegiados setoriais, entre preservar a auto-regulação e atravessá-la com decisões externas. O dilema envolve inúmeras implicações práticas e termina paralisando o debate sobre a própria natureza dessa tutela.

Existem dificuldades também para elucidar o alcance da fiscalização. “Mídia”, em tese, abarca uma vastidão de suportes, mas é sabido que ninguém conseguirá impor limites à internet ou aos periódicos impressos, ainda que ambos sejam alvos de largo descontentamento. Restariam os veículos de rádio e TV, concessões públicas sujeitas a variadas contrapartidas. Mas como proteger a subjetividade no discurso audiovisual, afastando as patrulhas do “bom-gosto” e da “decência”, que amiúde exibem suas garras autoritárias?

Reposta simples e inevitável: rechaçando qualquer tentativa de cerceamento das manifestações autorais, opinativas e jornalísticas. Ora, respeitadas as amplas acepções dessas categorias e descontando a excepcionalidade do universo publicitário, quase todo material propagado por radiodifusão poderia resguardar-se através de alegados preceitos constitucionais. Mesmo os produtos mais discutíveis (do proselitismo religioso ao odiado Big Brother), forçando a retórica liberal e os gastos dos lobbies legislativos, teriam sobrevida assegurada. E, convenhamos, é bastante remota a hipótese de certas atrações populares e rentáveis serem explicitamente proibidas.

Talvez para evitar as dificultosas particularidades nacionais, alguns militantes recorrem ao elogio de fórmulas estrangeiras, sem perceber que se distanciam ainda mais de uma solução razoável. Primeiro, porque superestimam as raízes libertárias do controle midiático em democracias desenvolvidas, onde o acirramento da pressão às TVs abertas identifica-se historicamente com a agenda de governos ultraconservadores (o período Bush nos EUA, por exemplo). Em segundo lugar, nem as rigorosas legislações européias nem a comemorada Ley de Medios argentina foram capazes de impedir a sofrível qualidade das programações gratuitas nos veículos privados. Ademais, é incoerente buscar modelos normativos em sociedades que desfrutam de emissoras públicas poderosas, tradicionais e respeitadas, e de Judiciários dispostos a seguir o mínimo espírito republicano nas suas demandas.

Em suma, o nosso Marco Regulatório, apesar da verborragia que caracteriza reivindicações do tipo, envolve “apenas” alguns dispositivos para inclusão de conteúdo setorizado, o combate ao abuso de poder empresarial nas concessões públicas e, na melhor das hipóteses, o seu controle pelos parlamentares. Parece muito, mas, ao cabo de todas as ressalvas e adaptações técnicas, o resultado não ficará muito distante do modelo atual. Podemos adivinhar a avalanche de sócios fantasmas, empresas de fachada e programações canhestras que virá remendar as necessidades dos infratores.

De qualquer modo, no árduo cotidiano das ações judiciais, os esforços punitivos serão barrados pela proverbial resistência das cortes, com os diversos subterfúgios que a caracterizam. Assim, uma dolorosa maioria dos vícios midiáticos repudiados pela esquerda permanecerá intocada, simplesmente porque jamais haverá suporte legal, respaldo popular ou vontade política para extingui-los. É aconselhável, portanto, discutir o projeto com base nas dimensões que a realidade cedo ou tarde imporá.

Antes que as expectativas desmoronem e o movimento perca o salutar ímpeto inicial, talvez fosse mais eficaz redefinir suas prioridades. Pois há algo de assombroso no fato de que, em pleno combate pela democratização da mídia, ninguém sugira alternativas progressistas, fora do difuso espectro virtual, que possam romper o monopólio informativo das grandes corporações. Se a militância está preocupada com os suportes tradicionais, não seria razoável articular a criação de um jornal diário ou um canal de televisão com abrangência e níveis editoriais suficientes para contrapor os veículos hegemônicos?

Um pouco de espírito propositivo e empreendedor agregaria novas perspectivas a essa causa meio ingrata, que se arrisca a terminar seus dias lutando para deixar as coisas como estão.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

“A Caça”

 




















Interpretação deslumbrante de Mads Mikkelsen, premiado em Cannes. Thomas Vinterberg, seguidor de Lars von Trier no movimento Dogma 95, volta à investigação dramática da miséria humana, com a câmera trepidante e a aparência documental que marcaram seus primeiros trabalhos. A ótima fotografia de Charlotte Bruus Christensen merece crédito por isso.

O filme já seria relevante por suas muitas qualidades. Mas ganha importância especial num momento em que selvagens lincham pessoas na rua e a Escola Base é lembrada como “acidente de percurso” do jornalismo brasileiro. Experiência assustadora e angustiante, sim, mas obrigatória.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

O escândalo é o escândalo
















Vinte anos depois de ter a vida arruinada pela imprensa paulista, um dos proprietários da Escola Base acaba de falecer. Quase na mesma época, à saída de Suzana Singer do cargo de ombudsman da Folha de São Paulo, ficamos sabendo que ela foi a responsável pela nefasta cobertura jornalística do caso no veículo.

Não tenho qualquer possibilidade, tampouco o anseio, de julgar as aptidões éticas e profissionais da jornalista. Mas sempre achei sua passagem pelo importante posto de “ouvidoria” um tanto desapontadora, tendo em vista a conivência que demonstrou amiúde com a tendenciosa cobertura que o veículo fez do julgamento da Ação Penal 470.

Tudo ganhou um aspecto muito negativo, porém, com a lembrança de sua participação no caso Escola Base, e ainda através de uma coluna fundada na explicação do erro. Fica a impressão de que os editores-chefes do jornal escolheram um quadro, digamos, “inofensivo” para a função, numa época particularmente atribulada do noticiário político brasileiro. É impossível não suspeitar que as mentiras sobre o chamado “mensalão” tiveram uma acolhida mais generosa do que teriam com outros funcionários de reputação absolutamente ilibada.

Não se trata de supervalorizar uma figura meio propagandística e decorativa que jamais conseguiu impedir, nem mesmo expor, as batatadas históricas da Folha. A questão é o modelo de transparência e de verdadeira autocrítica que o diário está disposto a seguir.

A escolha inicial de Singer, independente de suas qualidades pessoais, foi moralmente questionável, para dizer o mínimo. Que ela depois (e só no final do mandato) justifique a cobertura do episódio Escola Base como um escorregão próprio do ramo evidencia o legado que a tragédia das vítimas deixou ao jornalismo brasileiro: uma noção bastante cômoda e apaziguadora da palavra “escândalo”.

terça-feira, 6 de maio de 2014

O nome das coisas
















As emissoras da rede Globo, rádio e televisão, boicotam os patrocinadores do esporte brasileiro. Os times financiados por empresas são reduzidos aos nomes das suas cidades e às vezes as transmissões de entrevistas apagam os logotipos do material de divulgação que elas ostentam. O interesse econômico dos veículos e de seus anunciantes prejudica investimentos milionários que ajudam a garantir a excelência de campeonatos locais em modalidades como o vôlei, o basquete e mesmo o privilegiado futebol.

É o cúmulo do abuso e da manipulação. Não basta a maior corporação midiática do país privatizar bens coletivos de interesse social, impondo horários e regulamentos para aumentar seus lucros. Agora ela se dá ao direito de mudar a alcunha de competidores, de locais e até de eventos para resguardar um modelo de negócio baseado justamente na exposição de marcas privadas.

A Globo pratica sabotagem institucional contra aqueles que não aceitam pagá-la. Transforma um trabalho de natureza jornalística em espetáculo de marketing dirigido. Uma empresa de comunicação que se diz informativa não presta favor algum quando transmite um acontecimento relevante, menos ainda quando já recebe fartos dividendos para isso. Esconder a identidade das pessoas e das empresas é deturpação de fatos, não tem nada a ver com “decisão editorial” de qualquer tipo justificável.

A prática é adotada por veículos impressos, como a Folha de São Paulo. Embora ali também se revele a mediocrização de uma suposta autonomia jornalística, contudo, podemos até aceitar a frouxa tese de que o periodismo impresso funciona segundo suas próprias regras. Algo muito diferente ocorre nas concessões públicas. O mínimo que se pode esperar delas é chamar as coisas pelos seus nomes verdadeiros.