Nos próximos dias o STF (sempre ele) julgará se o
Ministério da Educação pode distribuir livros de Monteiro Lobato que apresentem
passagens discriminatórias. A decisão é previsível, pois algumas obras de
Lobato carregam trechos flagrantemente ofensivos aos negros. E o escritor, além
de racista assumido, era defensor da eugenia.
Não parece razoável divulgar preconceitos com
dinheiro público, num programa oficial, mesmo acompanhados de instruções
pedagógicas. Independente das qualidades estéticas ou da importância histórica
dos livros, sua necessária contextualização escapa aos limites do ensino
fundamental. Por isso eles deixam de ter o caráter educativo que justificaria
sua inclusão nos “cânones” ministeriais.
Mas seria prudente embasar o veto apenas nesse
raciocínio simples e pragmático. Recorrer ao Estatuto da Criança e do
Adolescente, como fazem alguns comentaristas, transfere para o assunto uma
série de implicações desnecessárias e, a rigor, incabíveis. Além disso, cria
novos pretextos argumentativos para canetadas censórias que fazem do ECA um instrumento de higienização moralista da cultura. Semelhante raciocínio vale
para as propostas de intromissão (correções ou cortes) no texto original de
Lobato.
Também existe boa diferença entre delimitar as fontes
literárias endossadas pelo Estado e aquelas difundidas por escolas
particulares, eventos privados, publicações, etc. Tentativas de “banir”
Monteiro Lobato devem ser rechaçadas com a mesma virulência que se teria caso o
atingido fosse, por exemplo, William Faulkner. Qualquer produção intelectual é
legítima e passível de aproveitamento didático, a partir de certa idade e em
ambientes reflexivos apropriados.
Causa certa estranheza que ninguém proponha a
adoção de romances lobatianos livres de menções raciais pejorativas. A
demonização do autor a partir de sua biografia gera simplificações tolas e contribui
para animosidades que, num golpe de revanchismo, viram patrulhamento. Os
defensores fervorosos da distribuição dos livros de Lobato se baseiam nessa vitimização
fácil para amenizar o constrangimento com sua própria tolerância, por décadas,
ao escancarado teor racista do escritor.
É nas origens e nas manifestações dessa surpresa
que o debate sobre o racismo encontrará temas fecundos para se desenvolver.
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