segunda-feira, 1 de julho de 2013

Itinerário dos protestos
















Publicado no Amálgama.

O histórico das manifestações que se espalharam pelo país teve três momentos distintos. Os ataques da Polícia Militar em São Paulo e a revogação dos aumentos das tarifas de transporte modificaram as formas de organização dos protestos e os discursos da imprensa corporativa a seu respeito.

No início, ainda quase restrito à capital paulista, o fenômeno possuía feição jovem e estudantil. O tom era partidarizado, com presença ostensiva de bandeiras do PSTU, do PSOL e outras agremiações afins. O petista Fernando Haddad protagonizava o material gráfico exibido, os discursos, os refrãos entoados e até as convocações das redes sociais. Apesar dos manifestos oficiosos, as reivindicações privilegiavam as passagens de ônibus. O governador tucano Geraldo Alckmin, responsável pelos péssimos serviços metro-ferroviários, recebia menções esparsas.

A imprensa reverberou essas limitações. Ademais, focada na controversa questão da gratuidade e incomodada com a paralisia da metrópole, aproveitou para retratar os protestantes como arruaceiros inconseqüentes. Editoriais e colunistas exigiam que fossem reprimidos, encarcerados, responsabilizados judicialmente.

A administração Alckmin, confiante no apoio midiático, julgou que a violência policial acuaria os manifestantes, pondo fim às passeatas. O governador terminaria com a imagem do pulso firme legalista, conveniente ao desgaste do colapso da Segurança Pública no estado. E os cossacos demotucanos responderam à altura.

Esse foi o primeiro marco divisório na trajetória da efeméride. A repressão desmedida instigou o ânimo revoltoso de uma parcela da juventude que normalmente não se dedica a aventuras reivindicatórias. As redes sociais popularizaram a insistência dos revoltosos e passaram a incluir outras demandas, aglutinadas no mote irresistível do direito de protestar.

As bandeiras de partidos e sindicatos começaram a desaparecer na medida em que os protestos chegavam ao ápice participativo. Numa guinada estratégica de aglutinação, o Movimento Passe Livre assimilou um apartidarismo aflito, permeável à adesão meio tardia de setores petistas. Só então o nome de Geraldo Alckmin foi efetivamente trazido ao debate, embora amiúde oculto sob os agravos à Polícia Militar.

Atingida no espírito corporativista pela agressão aos seus profissionais e não podendo ignorar as dimensões do acontecimento, a grande mídia viu-se constrangida a adotar a onda que há pouco denegrira. Os eternos inimigos dos “baderneiros” passaram a retratá-los como heróis civilizatórios. Para embasar a reviravolta, porém, construíram uma imagem do fervor revolucionário adequada ao seu próprio conceito do que era “aceitável” em termos de insurreição.
           
As passagens municipais (e Haddad) continuaram na origem exclusiva da revolta, mas ela adquiriu a maior abrangência possível. O alvo dos protestos foi “federalizado”, sublimando-se além dos âmbitos estaduais, sem atingi-los. Alckmin desapareceu novamente. As coberturas e análises sugaram Dilma Rousseff e o Congresso Nacional para o redemoinho. O PT ganhou responsabilidades diretas e indiretas pela turbulência.

As vitórias pontuais do MPL marcaram a irrupção da terceira etapa dos protestos. A frustração com um desfecho negociado radicalizou parte da militância. A brutalidade das polícias e os devaneios revolucionários do ativismo virtual estimularam a inconsequência reivindicatória que passou a predominar nas passeatas. As manobras de confronto e vandalismo perderam o aspecto caótico e aleatório de antes. Surgiram focos de ataques a partidos políticos, às instituições republicanas e mesmo à democracia.

O esvaziamento da plataforma tangível foi preenchido com a incorporação de temas originalmente articulados pelo noticiário dos grandes veículos. Os poucos jargões propositivos (“em defesa dos poderes de investigação do Ministério Público”) insinuam que certas pautas não seguem apenas anseios espontâneos e desarticulados. As demandas amplas, como o repúdio à corrupção e a defesa de investimentos na educação e na saúde, satisfazem a multiplicidade ideológica dos novos protestantes. E o oportunismo daqueles que se beneficiam do clima de instabilidade que ronda o país.

A imprensa, depois de criminalizar e em seguida estimular as passeatas, busca isentar-se da recepção negativa que elas passaram a ter  junto ao público majoritário. A espetaculização policialesca da cobertura jornalística serve para forjar esse distanciamento. Mas também pode indicar uma estratégia de responsabilização do governo federal pelas violências, através da imagem de excessivamente conciliador, omisso ou até patrocinador dos vândalos. É bom lembrar que sabemos pouquíssimo a respeito dessas pessoas.

A armadilha visaria neutralizar os eventuais benefícios à popularidade da presidenta Dilma, pressionando-a a endurecer sua postura ou a patrocinar medidas repressivas dos aliados estaduais. Isso levaria a polarizar de vez o cenário político, jogando os manifestantes ao confronto aberto e uníssono com o Planalto. É impossível adivinhar o resultado desse hipotético enfrentamento, mas não restam dúvidas sobre a posição que a mídia passaria a defender.

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