segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Exija saber
















As propostas do movimento “Procure Saber” soariam razoáveis se ficassem restritas a uma porcentagem de remuneração para os biografados. Embora concorde com as reflexões de Luiz Fernando Vianna sobre o falso aspecto financeiro da polêmica, tendo a relativizar suas premissas. O usufruto comercial da imagem e da obra de uma pessoa, mesmo que o rendimento seja irrisório, não poderia ficar imune a contrapartidas justas.

Mas as boas intenções da plataforma desmoronam quando ela defende o veto a biografias não-autorizadas. Isso é contraditório com a liberdade de expressão. Se preciso da autorização de alguém para publicar um trabalho, como essa atividade pode ser considerada livre? E desde quando a divulgação do conhecimento precisa agradar a valores e conveniências individuais?

A idéia dos direitos limitados e relativos é deturpada, como sempre, para embasar os argumentos proibicionistas. Ela poderia igualmente servir para submeter a figura individualista da privacidade a uma cláusula constitucional que salvaguarda a essência do regime democrático, e tem, portanto, alcance coletivo e soberano. O mesmo acontece nos exemplos estrangeiros, que só servem quando convenientes às causas em disputa.

Essa maleabilidade no uso da esfera privada já anuncia, ela própria, riscos inaceitáveis. Não há denúncia, análise, testemunho ou citação que escape a critérios coringas de blindagem contra o interesse público. Levada a extremos, ela terminaria impedindo a prática do jornalismo; condicionada por eventualidades diversas, como ocorre hoje, afronta o princípio da isonomia.

Cabe ressaltar que inexiste qualquer respaldo legal à censura. Ela ocorre no Judiciário, por causa de leituras equivocadas de normas e doutrinas, num ambiente de insegurança jurídica provocado pela covardia do Supremo Tribunal Federal. O recurso às filigranas textuais que originam essa confusão e à retórica ambígua deixa o “Procure Saber” com um aspecto retrógrado e populista.

É delicado tomar posições numa querela que envolve talentos artísticos de variáveis grandezas, intermediários pedantes e corporações de discurso bondoso. Como lembrou Caetano Veloso, a mesma Folha de São Paulo que esmagou um blog que a ironizava agora aparece como defensora das publicações impedidas pela Justiça.

Mas precisamos refletir sobre o absurdo prejuízo cultural, denunciado com propriedade por Benjamin Moser, que impede o país de construir sua história. É esse direito que está em discussão.

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