Publicado no Observatório da Imprensa
A denúncia de que o governo dos EUA mentiu sobre o assassinato de Osama Bin Laden comprovou a necessidade de mantermos
cuidado especial com informações veiculadas em certos contextos dramáticos. Sob
a comoção provocada por ataques terroristas, essa cautela pode fornecer o único
antídoto contra radicalismos e xenofobias de toda espécie.
Um caso que ainda me parece desconfortável, no seu
triste aniversário, é o do tenebroso atentado contra o Charlie Hebdo.
As imagens do ataque imediatamente chamaram a
atenção para a eficácia dos matadores. Preparo, armamentos e estratégia lembraram
mercenários muito bem treinados. Os melhores serviços secretos do mundo não
fariam diferente.
Ao mesmo tempo, quase não houve semelhanças com
outras ações motivadas por fanatismo religioso. O anonimato e a fuga destoavam
da própria idéia de sacrifício ligada ao fenômeno. O silêncio inicial dos
grupos terroristas foi outra raridade.
Como sói acontecer nesses casos, as versões
oficiais não ajudaram. A identidade que o pistoleiro teria deixado no carro, os
fuzilamentos de suspeitos e a confissão a um canal televisivo soaram
convenientes demais para certos interesses poderosos.
Sob uma análise verdadeiramente crítica, não
permanece nebulosa apenas a organização do crime. Tudo que temos de fato são
pessoas mascaradas, a gravação de uma voz, as costumeiras biografias de
imigrantes sofridos.
Somos obrigados a aceitar as evidências, fortes e
coerentes demais para duvidarmos delas. Mas também precisamos lembrar que, numa
das muitas hipóteses possíveis, se os jovens mortos tivessem sido forçados a
assumir a autoria dos crimes, a narrativa disponível seria exatamente a mesma.
Manter algum ceticismo diante do episódio talvez não
leve a descobertas inovadoras, mas pelo menos preserva algo do espírito iconoclasta do próprio Charlie Hebdo. Pois, se algo unia seus colaboradores
chacinados, era a inabalável desconfiança perante discursos autorizados de
qualquer natureza.
O problema é perceber que as teorias conspiratórias amenizam quase nada as assustadoras explicações das
autoridades.
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