Publicado no Brasil 247
Por mais que simpatizemos com a ideia do transporte
público gratuito e universal, é difícil imaginá-la em vigor na dura realidade
administrativa do país. A falta de respostas aos problemas orçamentários e
jurídicos da medida agrega à principal reivindicação do Movimento Passe Livre
um incômodo aspecto de esoterismo coletivista.
A citação de exemplos isolados onde vigora a
gratuidade soa inconvincente para referendá-la nos contextos caóticos das
metrópoles brasileiras. Não é só uma questão de escala, mas também de
prioridade. Fala-se na revisão das dívidas municipais, mas seria quase
desonesto exigir que a solução (de resto improvável) deixasse de atender a
demandas mais graves e urgentes da sociedade, como saúde, educação e segurança.
Mesmo a questão do transporte vai muito além das
tarifas. O colapso da mobilidade nasce de imensos problemas de planejamento,
gestão e infra-estrutura que extrapolam o âmbito municipal. Nenhum urbanista
defende a gratuidade das passagens como estratégia suficiente para
solucioná-los. Poucos, aliás, julgam-na viável em si.
A carência de propostas unificadas e coerentes
para o setor reflete a extensão do dilema, e também sinaliza o divórcio entre
as lucubrações militantes e a realidade gerencial da esfera pública. O melhor sintoma
desse deslocamento é a limitação do MPL a pautas oportunistas e localizadas, que
tangenciam as verdadeiras questões práticas da área.
Talvez cansados de transtornar suas cidades para
exigir o inexeqüível, os ativistas passaram a lutar “apenas” contra o aumento
das tarifas. Embora seu nome carregue uma reivindicação clara, o movimento prefere
aceitar a inevitabilidade da cobrança, como se a ruína do sistema fosse uma
simples questão de valor unitário dos bilhetes. A anulação do reajuste faria
alguma diferença na qualidade dos serviços prestados?
Em suma, falta plataforma ao MPL, um rol de
melhorias com base jurídica, técnica e contábil que amenizem as agruras dos
habitantes do mundo real. Empurrar a lacuna para o Poder Público é uma forma ingênua e inconsequente de atuação política. Vulgariza as muitas insatisfações
populares sob um rótulo protestante generalista que se satisfaz em causar danos
esporádicos à coletividade.
Isso explica o gradativo isolamento do MPL, abandonado
pelas facções políticas e midiáticas que outrora o paparicavam. Sequer a inaceitável
brutalidade policial, que ajudou a preencher o vazio reivindicatório dos
protestos em 2013, consegue aglutinar mais adeptos à causa sem pauta.
Não há coincidência no fato de os black blocs ressurgirem ali, depois de
uma elucidativa ausência nas mobilizações populares recentes. O radicalismo dos mascarados ocupa a lacuna programática do MPL, canalizando o descontentamento
da juventude para um teatro de confrontação que só interessa aos poderes
estabelecidos.
É um lamentável desperdício de energia
transformadora, mas não deixa de ter certa função pedagógica.
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