segunda-feira, 3 de abril de 2017

Os limites de Moro



O melhor exemplo da tolerância que Sérgio Moro desfruta na cúpula do Judiciário, na imprensa corporativa e nos círculos favoráveis ao impeachment foi dado pelos debates sobre a condução coercitiva de Eduardo Guimarães. Embora os comentários repudiando o arbítrio de Moro tenham sido quase unânimes, a maioria usou adjetivos virulentos e radicalizados contra o blogueiro, reservando eufemismos suaves para o juiz, sempre com loas à importância da Lava Jato.

Culpar a vítima constitui vício antigo, de triste e reincidente memória. Mas o que chama a atenção é a condescendência geral com a atuação de Moro, como se o juiz estivesse a salvo da rigidez absoluta que ele próprio impõe a seus desafetos. Ou, ainda pior, como se o episódio ficasse restrito à simplória questão do sigilo de fonte, convenientemente transformada em foco hegemônico das críticas.

As regras para a condução coercitiva foram violadas, tanto na suas justificativas quanto nos seus procedimentos. Também o código da magistratura, no que se refere à suspeição do juiz, que o blogueiro denuncia em representação junto ao Conselho Nacional de Justiça. E há muito a questionar sobre a apreensão de bens e arquivos de informações no domicílio de uma testemunha que não foi sequer convocada a depor.

O recuo de Moro é manobra conhecida. Os grampos ilegais e os vazamentos igualmente ilegais de conversas entre Lula e Dilma já haviam rendido estrago irremediável quando o juiz se desculpou pelo “deslize”. Da mesma forma, à parte a simbologia intimidadora do gesto, nenhum lenitivo reverterá o ganho estratégico que o futuro silêncio de Guimarães (e de suas possíveis fontes) fornece a Moro no cerco definitivo ao ex-presidente.

A estratégia bate-e-assopra garante a sobrevivência do magistrado. Ele força a barra, consegue o que deseja, mede a repercussão e veste o figurino ético apropriado, afagando o cinismo da plateia. A cada onda de lamentos pelos arbítrios jorram manifestações de desagravo que mantêm o juiz no lado positivo das polêmicas e reforçam o seu status justiceiro. E estamos prontos para o próximo abuso em nome do interesse nacional.

Isso comprova a semelhança entre o malufismo jurídico da claque de Moro e a cegueira do “rouba mas faz” populista. O apreço à Lava Jato é ideológico, feito qualquer adesão incondicional a programas ou líderes partidários. Não opera no âmbito racional, numa leitura clara e sensata dos fatos e das disposições legais. Por isso ficou invencível no campo jurídico, dominado por um antipetismo de palanque.

Moro desconhece limites desde o início da operação que o notabilizou. Paradoxalmente, contudo, esse privilégio é sua maior fragilidade. As prerrogativas desmesuradas o tornam refém e parceiro de interesses cada vez mais ameaçados por circunstâncias que fogem ao controle da Lava Jato. Talvez chegue um momento em que os frutos dos superpoderes do juiz não valham o custo institucional de preservar os seus fiadores.

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