quinta-feira, 3 de maio de 2012

“Habemus papam”



Difícil imaginar atores de cinema capazes de conferir a grandeza necessária a esse protagonista: Hugo Tognazzi, Vittorio Gassman, Bruno Ganz, Paulo Autran, a lista é pequena e impossível, devido à morte de quase todos que vêm à lembrança. Mas, depois de ver o soberbo Michel Piccoli no papel, concluímos que não poderia ser outro.

No conjunto da obra de Nanni Moretti, as dimensões do filme chegam a surpreender. Mesmo adivinhando os truques utilizados para recriar os cenários do Vaticano em estúdio e no computador, a ambientação revela um trabalho artesanal primoroso, plasticamente impecável. Além da cenografia e dos figurinos, o elenco escolhido para os cardeais também consegue a proeza de salvar a verossimilhança de um enredo que teria tudo para soar demasiado irreal.

Na linha tênue e perigosa que separa a farsa da alegoria, o drama da sátira, a denúncia da reflexão, Moretti esbanja domínio da linguagem cinematográfica. É verdade que o conjunto guarda um delicioso toque de surrealismo (pendor usual nas comédias do cineasta), mas isso ocorre justamente porque ele opta pelo tratamento naturalista e abdica do registro corrosivo e anárquico, buñueliano, que o tema já inspirou. Piccoli, diga-se, trabalhou com Luis Buñuel.

A fábula pia e otimista ganha força provocativa com esse choque entre a generosa humanização dos personagens e a cruel permissividade que estamos cansados de conhecer nos seus modelos reais, entre a eleição contemporânea de um papa humilde e zeloso e o retrocesso obscurantista engendrado pela sagração de Bento XVI. Colidindo a fantasia (do filme e das artimanhas inventadas no próprio filme) contra a sórdida realidade, o indivíduo contra as imposições externas e a fé religiosa contra a dúvida racional, Moretti (diretor e personagem) diverte-se em submeter a instituição católica a uma terapia transformadora. Infelizmente, é apenas ficção.

Um comentário:

Vania disse...

Adorei o seu comentário. Também gostei muito do filme. E saí do cinema totalmente identificada com aqueles homens que tentam, a todo custo, escapar de tamanho incômodo!