quarta-feira, 14 de junho de 2023

Dez anos em junho



Cada pessoa que vivenciou os protestos de junho de 2013 define-os à sua maneira. São milhões de análises baseadas em experiências individuais distintas. Todas válidas como testemunho, mas não necessariamente como juízos históricos sobre o período.

As opiniões mais positivas tendem a vir dos partícipes mais engajados, muito jovens na época, talvez em sua primeira grande aventura politizada. Hoje o saudosismo inevitável modula a autoimagem heroica e pioneira que eles projetam nos eventos.

As lembranças pouco elogiosas vêm da militância antiga, calejada com as expectativas e frustrações de episódios similares, como as Diretas Já. Exageros conspiratórios à parte, os céticos de 2013 gozam a vantagem de não terem anunciado um futuro promissor.

Estive entre os que alertaram desde cedo para a falta de agendas claras em movimentos daquele porte. Víamos na iconoclastia antipolítica difusa um catalisador de anseios que poderiam confluir no repúdio indiscriminado ao sistema democrático. Dito e feito.

É fácil provar que a expansão das passeatas logo exibiu os símbolos e discursos que a direita usaria contra Dilma e a favor de Bolsonaro. Mas fazia parte do jogo. A natureza performativa de “ir à rua” servia justamente para liberar todas as demandas represadas.

Pois também o fascismo nasce do desejo de representatividade, do ódio à classe política e de um impulso gregário emancipador. Esses fatores não igualam nem distinguem os pendores ideológicos dos manifestantes. Na verdade, não explicam muita coisa.

Reconhecendo a complexidade do ânimo insurrecional de 2013, evitamos idealizá-lo. É arriscado celebrar rebeldias espontâneas no âmbito das redes digitais. E a identificação majoritária dos atos como “de esquerda” simplifica os inúmeros contextos envolvidos.

Esses esforços de legitimação, porque a rigor desnecessários, transbordam os paradoxos que tentam ocultar. Se o antipetismo não fosse influente nas reivindicações, ninguém usaria o álibi autonomista para criticar, em retrospecto, a falta de tutela do PT.

É bobagem responsabilizar os protestos pelos golpes seguintes. Ainda que não tenha gerado a cruzada lavajatista, porém, a revolta forneceu-lhe pretextos oportunos, tanto no perigo revolucionário a ser contido quanto na popularidade da bandeira anticorrupção.

Ambas as desculpas, convenhamos, traduziam o imaginário de 2013. Acentuando seu voluntarismo cívico e ampliando o escopo dos inimigos, os fascistas completaram o ciclo vicioso de apropriações: sim, morta a democracia, outro mundo era possível.

Então os rebeldes progressistas de outrora despertaram para o viés nefasto da obsessão moral, do vandalismo, da loucura patriótica. E, no avesso do sonho, correram em busca de seus antigos vilões para ressuscitar aqueles tempos saudosos de normalidade política.

A utopia dos “levantes de junho” envelheceu mal.

2 comentários:

Mário disse...

E essa utopia deixou um "passivo" de uns trinta milhões de ex - "rebeldes progressistas".

@Limarco disse...

pequeno estopim para uma bomba gigantesca.