quinta-feira, 5 de julho de 2012

“Deus da carnificina”



















Pequeno tesouro de estilo e competência.

Como em “Arte”, outra peça famosa de Yasmina Reza, a premissa modesta evolui aos poucos, enredando os personagens, até que o conflito desaba vertiginosamente. Se não gargalha nervosamente de tudo aquilo, o espectador afunda numa amargura insuportável. Por isso, acredito, alguns críticos desaprovaram a adaptação, sutil demais para os contrastes morais contemporâneos.

E há também a fina ironia contra o bom-mocismo, a correção política, o patrulhamento ético da intelectualidade pretensamente “liberal”. Sob uma abordagem apressada, a reflexão poderia soar conservadora, mas na verdade ela não poupa qualquer dos antagonistas. O advogado repulsivo e sua esposa arrogante já começam fadados à vilania. Se em algum momento nos incomodamos com eles, é justamente porque reagimos à empatia que subitamente nos causam. Afinal, estávamos inclinados a abraçar os argumentos da escritora, mãe zelosa, cidadã consciente: como ela, julgamos que nossas intenções bastam para resolver “civilizadamente” qualquer problema cotidiano. Isto é, claro, desde que o resultado nos seja favorável.

O acanhamento geral esconde uma enorme dificuldade técnica, a superação imperceptível da “quarta parede” do teatro. Roman Polanski resolve a complexa decupagem com a sutileza dos grandes mestres. Usa também diversos efeitos digitais, em especial nas imagens da cidade que preenchem as janelas. Dizem que o diretor faz uma aparição-relâmpago como o vizinho que entreabre a porta e reclama do barulho.

Tudo é ritmo, concentração, detalhe, rigor coreográfico. Tão simples e honesto, profundo e atual, mas por isso tão distante da realidade do cinema brasileiro.

Um comentário:

Vania disse...

Li a peça há algum tempo, e não achei nada demais. Depois, ao vê-la se transformar num retumbante sucesso no teatro, fiquei bastante impressionada. Enfim, a sua crítica elegante registrada acima me pareceu muito mais interessante do que o enredo em si. Será falha da minha memória?! Um abraço.