Pequeno tesouro de estilo e competência.
Como em “Arte”, outra peça famosa de Yasmina Reza,
a premissa modesta evolui aos poucos, enredando os personagens, até que o
conflito desaba vertiginosamente. Se não gargalha nervosamente de tudo aquilo,
o espectador afunda numa amargura insuportável. Por isso, acredito, alguns
críticos desaprovaram a adaptação, sutil demais para os contrastes morais
contemporâneos.
E há também a fina ironia contra o bom-mocismo, a
correção política, o patrulhamento ético da intelectualidade pretensamente “liberal”.
Sob uma abordagem apressada, a reflexão poderia soar conservadora, mas na verdade ela não
poupa qualquer dos antagonistas. O advogado repulsivo e sua esposa arrogante já começam
fadados à vilania. Se em algum momento nos incomodamos com eles, é justamente
porque reagimos à empatia que subitamente nos causam. Afinal, estávamos inclinados
a abraçar os argumentos da escritora, mãe zelosa, cidadã consciente: como ela, julgamos que nossas intenções bastam para resolver “civilizadamente” qualquer problema cotidiano. Isto
é, claro, desde que o resultado nos seja favorável.
O acanhamento geral esconde
uma enorme dificuldade técnica, a superação imperceptível da “quarta parede” do
teatro. Roman Polanski resolve a complexa decupagem com a sutileza dos grandes
mestres. Usa também diversos efeitos digitais, em
especial nas imagens da cidade que preenchem as janelas. Dizem que o diretor faz
uma aparição-relâmpago como o vizinho que entreabre a porta e reclama do
barulho.
Tudo é ritmo,
concentração, detalhe, rigor coreográfico. Tão simples e honesto, profundo e atual, mas por isso tão
distante da realidade do cinema brasileiro.
Um comentário:
Li a peça há algum tempo, e não achei nada demais. Depois, ao vê-la se transformar num retumbante sucesso no teatro, fiquei bastante impressionada. Enfim, a sua crítica elegante registrada acima me pareceu muito mais interessante do que o enredo em si. Será falha da minha memória?! Um abraço.
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