segunda-feira, 10 de abril de 2017
O que as ruas nos dizem
É justificada a ironia dos críticos da Lava Jato diante do fracasso das passeatas promovidas pelo fã-clube de Sérgio Moro. Mas convém não desvirtuar o vínculo das recentes manifestações com as hordas golpistas que desfilaram no ano passado.
A baixa adesão atual está longe de significar que o apoio aos justiceiros arrefeceu. Ela mostra, pelo contrário, que os protestos de outrora é que não serviam como demonstrações de respaldo à causa anticorrupção. Em outras palavras, às mobilizações faltava o ímpeto civilizatório e moralizante que seus apologistas usaram para justificá-las.
As comparações são eloquentes: bastou o evento perder o viés ideológico e as plateias sumiram. Saciada a compulsão de tirar o PT do poder e abandonada a ideia saneadora do impeachment, a turma da camiseta amarela voltou a seus lazeres dominicais. Talvez não esteja mais indignada. Ou talvez a retórica judicial seja incapaz de seduzi-la.
Isso diz muito sobre o caráter decorativo que as festejadas “ruas” tiveram no golpe. Fossem elas de fato relevantes, o STF e o Congresso Nacional estariam agora se mexendo para conter as reformas ilegítimas de Michel Temer e até acertando a sua deposição. Com auxílio da mídia corporativa, que há pouco se dizia reverente à vontade popular.
Nunca houve o fator “povo” nas aritméticas do golpe e da Lava Jato. Os parlamentares teriam aprovado o impeachment mesmo sem esse pretexto conveniente, como hoje o ignoram para lesar os trabalhadores. E não é porque Lula desfruta de imensa aprovação que o Judiciário deixará de persegui-lo sob o delírio de corresponder ao interesse público.
A desimportância efetiva das ruas não mudou. Tampouco a sua manipulação por setores que pretendem representar uma entidade fantasmagórica inapreensível fora do exercício do voto. Foi esse instrumento, aliás, que o golpe veio anular, em nome das grandes massas que elegeram o governo deposto.
A novidade reside no que as ruas evidenciam para além de apropriações oportunistas, tanto no vigor das passeatas de esquerda quanto no esvaziamento das de direita. E essa questão continua tendo menos importância no aspecto representativo do que num retrato ideológico da Cruzada Anticorrupção e das arbitrariedades cometidas em seu nome.
Mas não podemos subestimar a perspicácia da brava massa de manobra golpista. Sua indiferença pelo destino da base de apoio a Michel Temer equivale a um diagnóstico muito preciso dos ânimos da cúpula judiciária em relação aos mesmos personagens. Entre os motivos para o abandono da pauta moralista vigora uma incredulidade que ninguém se esforçará para contradizer.
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Um comentário:
Guilherme,
A "coisa" é muito simples para mim: o "povo", no Brasil, nunca saiu às ruas. Isso é histórico, com raríssimas exceções que os dedos de uma mão são suficientes para contar. Quem sempre invadiu e invade as calçadas e ruas deste país é a classe média tradicional, a velha classe média conservadora, retrógrada, machista, preconceituosa, individualista, da qual eu e tu fazemos parte, ainda que em lado oposto ao da grandíssima maioria. Foi assim em 54, foi assim em 64, foi assim a partir de 2013. Ela fica no armário por um bom tempo, aguardando o momento de se fazer ouvir e, mais importante, de ser convocada. É, de ser convocada a se manifestar. Ela só se move se for chamada. Por quem? Pela mídia gorda nossa de cada dia!
Simples assim! O povão não dá a mínima para o que rola no país, está preocupado com a sua sobrevivência. Basta conversar nos botecos, nos terminais urbanos populares, nos bairros mais simples. Não se mexe, é mal informado (pela Globo), totalmente despolitizado (o grande erro do PT).
Sempre foi a classe média que fez barulho. E sempre convocada pela Globo, pois, tenhamos em mente: a Globo é quem de fato manda por aqui. Prende e manda soltar, põe e derruba quem ela quiser.
As manifestações da esquerda sempre contaram com uma massa crítica da classe média, porém minoritária, a parte menor deste estamento.
O Brasil é e sempre foi conservador, o brasileiro detesta passeatas e movimentos e assembleias e lutas... É um povo pusilânime, a beira da covardia - por mais que doa ter de aceitar isso.
Na hora em que a Globo convocar novamente, os coxinhas e patricinhas baterão continência e dirão: presente. Basta, para isso, os mervais e camarotis e noblats sentirem um certo revigoramento das esquerdas e estalarem os dedos.
Tempos sombrios.
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