segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Profecias desejosas e desejos proféticos



A esquerda superará a ressaca eleitoral quando expurgar os detritos ideológicos da campanha, entre eles a futurologia reversa que alguns comentaristas usam para legitimar suas narrativas falaciosas sobre a derrota. A onipresença do “eu avisei” em meio a tantas dúvidas ilustra a distância entre o chute e o prognóstico, os fatos e as verões que eles produzem.

Em primeiro lugar, nem todas as pessoas que dizem ter previsto a vitória de Jair Bolsonaro o fizeram realmente. E nem todas as previsões corretas possuíam argumentos sólidos para o cenário “normal” da época anterior à misteriosa facada. A esmagadora maioria dos anúncios catastróficos serviram a conveniências político-partidárias, especialmente de Ciro Gomes e Marina Silva, cobiçando o legado político de Lula.

Os setores auto-intitulados “progressistas” e antipáticos ao PT não adivinharam o fascismo antes, ou de maneira mais veemente, do que o próprio partido. Este vinha apontando a ascensão do monstro havia tempos, desde as vaias a Dilma Rousseff na Copa do Mundo até os ataques às caravanas de Lula, passando pelas simbologias raivosas do impeachment.

O antipetismo de esquerda gastou muito tempo minimizando ou desqualificando as denúncias sobre o caráter fascista da Cruzada Anticorrupção, do estelionato moral do golpe e da prisão política de Lula. O ataque frontal que unificou os democratas perplexos diante de Bolsonaro não apaga o desapreço comedido, cheio de meneios adversativos, que a maioria demonstrou quando o PT era vítima isolada do arbítrio.

A desonestidade intelectual de culpar o PT pela tragédia é tão evidente que resulta numa armadilha evasiva para dificultar a apreciação de certos dados constrangedores. Tragados por discussões inúteis sobre unidades que ninguém queria e planos hegemônicos dos quais ninguém abdicou, perdemos de vista, por exemplo, que parte dos pretensos adversários do fascismo abandonaram o país, simbólica e literalmente, apenas para negar uma vitória a Lula. Vêm dessas figuras e de seus círculos as mentiras mais evidentes sobre o processo eleitoral.

É irrelevante e leviano afirmar que, sozinho, Ciro Gomes teria mais chances na etapa final: ele nunca chegaria a disputá-la. Sem um petista para aglutinar o lulismo, Bolsonaro venceria no primeiro turno. Fernando Haddad teve ali 31 milhões de votos, 75% do total previsto para Lula. Com míseros 20% do grupo lulista indo para o capitão, mesmo na hipótese irreal de Ciro amealhar os restantes 80%, a disputa acabaria em 07 de outubro.

Especular sobre as possibilidades do segundo turno com base nos levantamentos do primeiro não passa de exercício tolo de adivinhação. Os institutos que antecipavam a vitória de Ciro contra Bolsonaro chegaram a apontar um empate técnico deste com Haddad. Estimativas que “erram” o destino de sete milhões de votos não servem para prognóstico algum.

Se o antipetismo inviabilizava a candidatura encabeçada pelo PT, isso ocorreria com um petista de vice, e talvez até numa simples aliança envolvendo o partido. Não seria possível mobilizar o lulismo sem citar Lula, mas tampouco escondê-los, pois só a imagem do ex-presidente represaria a ascensão imediata de Bolsonaro. E, no quesito “antipolítica”, Haddad é bem menos vulnerável do que Ciro.

Soa curioso que agora não encontremos quem diga ter vaticinado o triunfo do fascismo com base na incompetência estratégica daqueles que se diziam aptos a combatê-lo.

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