segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

À espera dos cruzados




A Cruzada Anticorrupção finalmente se apoderou do Santo Graal político-administrativo que perseguia com fanática voracidade. Jair Bolsonaro, ungido pela seita, venceu alegando esse pertencimento. É o “poste” da Lava Jato, figura medíocre e vulnerável, submetida a interesses mais poderosos que receberão prerrogativas monárquicas para garantir sua sobrevivência.

Dizer que a Lava Jato contribuiu desacreditando a classe política é insuficiente. A virulência antipetista ganhou viés muito pragmático na condução dos assuntos pré-eleitorais, com precisão cirúrgica inexistente nos outros partidos, inclusive o pitoresco PSL de Bolsonaro. A lista de governadores e legisladores eleitos mostra que a moralidade atingiu apenas quem poderia, local e nacionalmente, atrapalhar os candidatos alinhados à causa santa.

Durante os últimos anos, procuradores e magistrados foram agentes diretos da normalização do fascismo brasileiro. No flanco repressivo, exorbitando um punitivismo inconstitucional e tendencioso contra jornalistas, militantes e líderes partidários. Na seara da impunidade, reproduzindo o hábito seletivo que garantiu a sobrevivência da Lava Jato, desde a proteção a seus membros até a blindagem daqueles que a apoiaram.

O vazamento ilegal de gravações já ilegais de Dilma Rousseff, de Lula e de familiares e advogados do ex-presidente passou incólume pelas rigorosas autoridades. O único adversário que poderia vencer Bolsonaro foi preso na véspera da disputa, por “crime indeterminado”, sem provas materiais de culpa. O STF manobrou para negar o direito de Lula ao habeas corpus e permitiu os atropelamentos de funções que barraram as ordens isoladas de soltura.

Esse padrão dominou a disputa presidencial. O TSE engoliu covardemente a pressão dos militares, as ameaças diretas de Bolsonaro, a violência escancarada de seus adeptos e sua fábrica de mentiras digitais. As cortes impediram Lula de falar à imprensa, divulgaram o depoimento inválido de Antônio Palocci, empastelaram uma revista, reprimiram debates universitários e censuraram propagandas que associavam o capitão à tortura que ele defende.

A naturalização dos hábitos nefastos das autoridades pavimenta o caminho do obscurantismo. A tolerância ante a brutalidade física de policiais, milicianos e energúmenos civis legitimará o arbítrio criminoso na solução cotidiana de conflitos. A adesão irregular de servidores públicos a absurdos como o Escola Sem Partido normalizará e disseminará o patrulhamento saneador em todos os níveis profissionais. Sérgio Moro virou ministro da Justiça, afinal de contas.

Ao mesmo tempo, a ideologia truculenta dos vitoriosos incentivará a destruição judicial dos oponentes. Podemos esperar um tenebroso varejo de garrotes, principalmente em litigâncias contra a liberdade de expressão, sob a desculpa de punir apologias ao crime, calúnias e difamações, atentados à moral, fake news, etc. A criminalização do uso do adjetivo “fascista”, por exemplo, só espera uma primeira iniciativa bem sucedida.

A vitória de Bolsonaro seguirá marcada pelo gesto agressivo que a impulsionou. Um ato sem nexo, misterioso, que a mídia transformou em espetáculo antes que o ceticismo pudesse enfraquecê-lo. Eis o núcleo imaginário do novo projeto de poder: o choque performático, a mistificação, o jogo redundante de ameaças intangíveis, o desvio pela irracionalidade.

“Não existe direito absoluto” e “ninguém está acima da lei”, os lemas do absolutismo togado, possuem utilidade metodológica. O triunfo político do Regime Judicial de Exceção baseia-se nesse discurso negativista, que nivela os cidadãos pela recusa generalizada à cidadania. Quanto mais autoritário for o governo, menos ele parecerá incompetente e corrupto. Direitos cerceados provarão a força do sistema e embalarão seu delírio revolucionário.

Mas, para as pessoas de bem, as instituições continuarão funcionando normalmente. Glória a Deus pela democracia brasileira.

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